Nas últimas décadas, tem aumentado a procura por cães pequenos. A novidade surgiu nos EUA, com a escolha de animais muito pequenos: miniaturas, anões, toys e finalmente os teacup (xícara de chá, em inglês). No entanto, a criação destes peludos minúsculos oculta algumas curiosidades e verdades dolorosas.
De maneira geral, os cães de pequeno porte são mais longevos que os grandões. Esta tendência também se verifica entre os teacup, mas quase sempre é neutralizada ou invertida em função das condições em que os peludinhos são criados. Além das doenças congênitas, eles também sofrem com a falta de alimentação adequada, rotina de exercícios físicos, adestramento, etc.
De tempos em tempos, surgem modismos na criação de cães e outros animais domésticos. Portes, pelagens e formatos desafiam a criatividade humana e, quando dá tudo certo, surgem novas raças caninas. Há séculos, a seleção de cães muito pequenos para companhia tem seduzido a humanidade.
As modificações nos cachorros
A maioria das raças caninas foi desenvolvida nos últimos 200 anos. Antes disso, a maioria da população era composta por animais de grande porte, usados para caça, guarda, pastoreio, manejo do gado e combates. Os cães menores começaram a fazer sucesso a partir do século 15, tanto na Ásia quanto na Europa.
Sempre utilitaristas, nós criamos cães de acordo com as nossas necessidades e vontades. Alguns cães pequenos deram certo. É o caso do dachshund, que teve o tamanho reduzido para a caça miúda: combater as pragas que destruíram canteiros e hortas.
A diminuição favoreceu os populares salsichas, que se tornaram cães de companhia rapidamente, já que viviam muito próximos às residências. O yorkshire terrier não teve tanta sorte: pequeno e com fios oleosos para desviar com facilidade nas galerias das minas de carvão à procura de ratos, levou algum tempo para que ele encontrasse o caminho para o nosso colo.
Certas raças tiveram sucesso em portes diferentes, sendo empregados em diferentes atividades. O poodle, por exemplo, descende dos antigos caniches franceses (raça já extinta) e foi usado para recuperar aves abatidas em pleno voo. Era um cão de porte médio, excelente nadador e muito resistente.
O poodle é também muito inteligente. Rapidamente, ele se adaptou a outras tarefas, inclusive a apresentação de truques em espetáculos circenses. Atualmente, a raça apresenta as variedades: standard (grande), médio, anão e toy. A diferença se restringe basicamente ao tamanho (a altura na cernelha varia de 25 cm a 62 cm).
O spitz alemão é outra raça que se apresenta com as variedades pequeno, médio e grande. O menor é o mais popular no Brasil, conhecido popularmente como lulu da Pomerânia. As diferenças do schnauzer se tornaram tão marcantes que ele foi dividido em raças diferentes: há um padrão específico para cães gigantes, standard e miniatura, que teria sido obtido a partir de cruzamentos com affenpinschers ou com pinschers alemães.
Todos estes cães tiveram sucesso: prova disso é que eles estão por aí até hoje. No entanto, é mais do que provável que muitos cruzamentos visando obter características específicas tenham resultados em becos sem saída, gerando animais deficientes, disfuncionais ou portadores de doenças genéticas. É o caso dos atuais cães teacup.
Os grandes, os pequenos e os minúsculos
É impossível não se encantar ao encontrar um cãozinho teacup. Os peludos receberam este apelido por causa do tamanho minúsculo: poderiam caber em uma xícara de chá. Mas é preciso pensar duas vezes antes de adotar um destes pets. Eles são portadores de diversas doenças genéticas e são criados muitas vezes em condições perversas.
A explicação é bastante simples. A imensa maioria dos cães de raça é suscetível a algumas doenças justamente porque o número de padreadores e matrizes (machos e fêmeas usados nos acasalamentos) é limitado. Os riscos aumentam nos acasalamentos consanguíneos.
Enquanto os animais mestiços e sem raça definida tem um grande número de parceiros sexuais, os cachorros de raça precisam encontrar pares com as mesmas características. Todos os atuais golden retrievers atuais descendem de um mesmo casal escocês, que gerou os primeiros da raça na segunda metade do século 19.
Isto determina pouca diversidade genética. O fenômeno ocorre também em populações isoladas. Um exemplo para ajudar a entender melhor: desde a década de 1950, a população de lobos-cinzentos vinha decrescendo na ilha Royale, no lado Superior (divisa dos EUA com o Canadá).
Em 1997, um inverno mais rigoroso permitiu a formação de uma ponte de gelo. Um lobo vindo do sul atravessou o acesso, assumiu a liderança de algumas alcateias e acasalou com diversas fêmeas, introduzindo novos genes nos grupos. Os filhotes nasceram mais fortes e resistentes e a população aumentou. Desde então, lobos-cinzentos de outras regiões têm sido introduzidos na ilha e nas imediações, para impedir a eventual extinção da espécie.
As características dos cães teacup
- Tamanho – para ser considerado um teacup, um cãozinho deve pesar, no máximo, 2 kg (um chihuahua, uma das menores raças caninas, pesa de 1 kg a 3 kg).
- A maioria das raças criadas como teacup é de cães toys: pinscher miniatura, lulu da Pomerânia, yorkshire terrier, griffon de Bruxelas, spaniel japonês, pug, papillon, poodle, toy fox terrier, affenpinscher e cavalier king charles spaniel, além do chihuahua. Nos EUA, as duas maiores associações cinológicas (AKC – American Kennel Club e UKC – United Kennel Club) mantêm estas raças em um grupo específico, ao contrário da classificação tradicional da Federação Cinológica Internacional FCI).
- Grande parte dos criadores seleciona os menores animais de cada ninhada para os acasalamentos, sem avaliação das condições de saúde, aumentando as probabilidades de distúrbios genéticos.
- Os “cachorros grandes” são simplesmente eliminados dos plantéis. Com sorte, eles são abandonados e conseguem encontrar uma família, mas a maioria é abatida. O mesmo critério é usado para as cadelas inférteis ou que não conseguem manter as gestações. Muitas delas dão ninhadas à luz até quatro vezes por ano.
Curiosidades e fatos tristes e chocantes
Existem criadores bem-intencionados, interessados em obter novas raças e também melhorar as já existentes. A maioria dos que trabalham com os cães teacup, no entanto, não se importa com o bem-estar dos animais, visando exclusivamente ao lucro.
Os pequenos cães teacup apresentam um número expressivo de casos de câncer e de epilepsia. Mas não são apenas defeitos genéticos os responsáveis pelas mazelas destes animais. Algumas práticas são especialmente cruéis e apresentam efeitos devastadores.
01. Fome
Há denúncias envolvendo canis que deliberadamente deixam de alimentar os cães de forma adequada na fase de desenvolvimento físico, para evitar que eles cresçam demais.
Naturalmente, ao lado das doenças genéticas, estes cães desenvolvem diversos outros transtornos físicos decorrentes da desnutrição. As anomalias emocionais, como destrutividade e agressividade ou timidez excessivas, também podem ser determinadas pela fome.
02. Abusos
Nas cadelas, um ciclo estral completo, com geração de filhotes, leva meses para se completar, entre a ovulação e o desmame dos cãezinhos. Uma vez encerrado, o organismo canino passa por uma pausa hormonal, até que o animal esteja mais uma vez pronto para o acasalamento.
Criadores éticos têm o hábito de não cruzar as fêmeas nos seis meses posteriores ao desmame. Em geral, uma cadela de raça dá à luz uma vez por ano, mas não é isso que ocorre entre os teacup. Inclusive em função do tamanho minúsculo, mas também por uma série de deficiências, a gravidez toma menos de dois meses. Os filhotes são desmamados precocemente e as mães podem passar por três ou quatro gestações a cada ano.
03. Endogamia
Os acasalamentos entre mães e filhos são muito frequentes entre os cães teacup. Isto gera uma série de anomalias genéticas. Boa parte dos embriões não é viável. Parte dos filhotes nasce com deficiências visuais e auditivas. Sinais de nanismo, como membros atrofiados, são comuns na maior parte destes animais.
A endogamia (cruzamento entre seres aparentados) acaba prejudicando os animais – e o lucro dos criadores. A prática causa a chamada depressão orgânica: os acasalamentos geram ninhadas cada vez menores, o risco de abortos espontâneos aumenta exponencialmente a exaustão compromete a saúde das cadelas.
04. O preço
Nos EUA, os cãezinhos teacup são vendidos por preços muito inferiores aos praticados pelos canis regulares. Enquanto um filhote de border collie ou golden retriever (duas raças muito populares no país) com pedigree é comercializado por US$ 2.500 a US$ 3.500, um cãozinho de fundo de quintal pode ser adquirido por US$ 750 a US$ 1.000. Isto explica por que tantos candidatos a tutores faça a opção pensando apenas no bolso.
O barato, porém, pode sair bem caro. Os cãezinhos parecem perfeitos, mas em pouco tempo acusam os sintomas das deficiências. As despesas médicas superam a economia feita na aquisição. Além disso, muitos cães são abandonados quando surgem os primeiros sinais de doenças.
05. Uma boa notícia
O número de cães teacup resgatados das ruas é cada vez maior. Canis e santuários privados e públicos estão ficando lotados com os animais minúsculos. Alguns tutores, no entanto, vêm optando por apoiar justamente os animais mais carentes e desprotegidos.
Nos EUA, muitas pessoas vêm escolhendo cães teacup como parceiros de vida, mesmo conhecendo as deficiências e sabendo que muitos animais terão pouco tempo de vida. Há ONGs (também no Brasil) que estão se especializando no acolhimento de animais com anomalias genéticas, deficiências físicas e emocionais.
06. Vale a pena adotar?
Cães são seres vivos e não deveriam ser objeto de comercialização, mas muitos tutores são apaixonados por determinadas raças e não abrem de viver com um chihuahua ou um pinscher miniatura.
É sempre válido adquirir um cão. Quem pretende comprar um animal de raça precisa conhecer as instalações do canil pessoalmente, de preferência. Se isto não for possível, é importante reunir o maior número de informações sobre os cães do plantel, instalações, prêmios conquistados, etc.
Vale lembrar que os criadores são obrigados por lei a disponibilizar todos os documentos dos filhotes e de seus pais para os interessados, inclusive os registros de procedência e o histórico médico. É importante conversar também com o veterinário responsável.
Por outro lado, há muitos cães, inclusive teacup, vivendo em abrigos, principalmente em função da maior vigilância exercida pelas autoridades de saúde pública e de vigilância sanitária do país. Neste sentido, é importante que os candidatos a tutores considerem a possibilidade de adotá-los.
Muitos desses cães, como já foi dito, sofrem com deficiências e doenças. Alguns são cegos, outros surdos, há um número considerável de animais que sofrem convulsões, mas estas condições podem ser superadas ou atenuadas, assim como casos de desnutrição, esqualidez, etc.
Quem escolhe um animal muito pequeno precisa ter em mente também que eles não são ideais para a convivência com outros cães. O porte minúsculo dificulta as interações e aumenta os riscos nas eventuais brigas. A casa também pode precisar de algumas adaptações, como escadinhas de acesso ao sofá, por exemplo.
Outro cuidado: quanto menor é o cão, mais rápido é o metabolismo. Isto significa que eles podem demandar quantidades maiores de ração diariamente e também que “acidentes” com as necessidades fisiológicas são mais frequentes, porque eles não têm controle total dos esfíncteres e deixam escapar xixi e cocô.
Quem se sente inseguro em adotar um cachorro com doenças graves (ou com potencial para desenvolvê-las no curto prazo) não precisa renunciar à convivência com um pequeno: chihuahuas, pinschers miniatura e lulus da Pomerânia poderiam ser considerados cães teacup naturais.
Há muitas outras raças que vivem bem em espaços pequenos. É o caso da lhasa apso, do shih tzu, por exemplo, para ficar apenas nas raças “da moda”. Outros peludos bem maiores também se adaptam a apartamentos e casas sem quintal, como os golden retrievers e os retrievers do Labrador.