Cachorros odeiam alguns gestos e atitudes que os tutores fazem. E algumas decisões também.
Cães e humanos podem ser os melhores amigos, mas nem por isso deixam de pertencer a espécies diferentes. A nossa linguagem corporal é muito diferente da comunicação canina e isso provoca “ruídos” da comunicação. O seu peludo realmente odeia quando você faz algumas brincadeiras ou toma algumas decisões.
Os peludos certamente nos amam, mas gostam principalmente de se sentir seguros e confortáveis e não há nenhuma segurança e conforto, por exemplo, em ser lançado pelo ar, quando nós os pegamos de surpresa no colo e os aproximamos do nosso rosto.
Nem Dom Quixote deve ter se sentido tão desconfortável quando perseguiu gigantes e foi lançado a metros de distância. Os gigantes, na verdade, eram apenas moinhos de vento, mas o personagem de Cervantes enxergava monstros perigosos. Tudo é uma questão de perspectiva.
O cachorro odeia quando você faz isso
As atitudes humanas são corriqueiras e muitas vezes nem sequer pensamos no que estamos fazendo – portanto, não é preciso se sentir culpado, nem se penitenciar por causa delas. Mas, em algumas circunstâncias, é necessário pensar como os cachorros.
Tudo começa, aliás, pela linguagem. A verbalização é uma conquista dos humanos, construída durante milhares de anos. Os cachorros também usam sons, mas de forma bem mais restrita: latidos, uivos, ganidos, etc.
Eles odeiam os longos discursos dos humanos, que lhes parecem apenas conjuntos ininteligíveis e contraditórios. Quando o tutor diz: “Não pode se coçar em cima da cama”, os peludos talvez consigam entender apenas “coçar”. Eles começam a se coçar furiosamente 00 está formada a confusão.
Da mesma forma, ao ouvir: “Não pode pegar a comida da mesa”, os cães registram a informação “comida da mesa” e tem início mais uma longa discussão de relacionamento – e os humanos acreditam ter direito a um “olho no olho”.
É um erro certeiro. Para os cachorros, os olhares fixos e penetrantes são verdadeiros convites para um duelo. Se você estiver perdido em uma mata ou pradaria, nunca fixe o olhar em um lobo, hiena, chacal ou mesmo um pequeno feneco (a raposa-do-deserto).
Estes parentes próximos dos cães se sentirão desafiados e é quase certo que irão reagir como os nossos amigos domésticos e decidam usar as armas disponíveis: dentes e garras.
A linguagem, portanto, deve se restringir a palavras soltas ou frases curtas. Os cachorros são capazes de identificar diversos termos e expressões, mas, assim como as crianças pequenas, não conseguem penetrar o significado de sermões muito longos: eles são irritantes, especialmente quando vêm acompanhados de um tête-à-tête.
Se eles pudessem falar…
O sonho de muitos tutores é que os cachorros pudessem falar como nós, assim como eles fazem nos desenhos animados. Mas, você já pensou no que eles falariam sobre algumas das nossas ações?
Por exemplo, qual seria a reação verbal de um cachorro depois de tomar um banho perfumado, ou de ter um brinquedo confiscado simplesmente porque um pedaço foi arrancado por acidente? O que eles diriam sobre os adereços que dificultam ou até mesmo impedem os movimentos?
Os egípcios aprenderam os segredos dos aromas e desenvolveram diversos perfumes. Assim como eles, os romanos se besuntavam com óleos vegetais e, em seguida, raspavam a pele do corpo inteiro, para eliminar impurezas.
Há muito tempo, nós disfarçamos ou suprimimos os odores naturais do corpo. Para os cães, no entanto, eles são fundamentais. Os feromônios são usados para identificar parceiros sexuais, enquanto as glândulas perianais são espremidas para indicar medo ou agressividade.
Esses cheiros podem ser desagradáveis para nós, mas são insubstituíveis para os cachorros – e também para a maioria dos animais. A “inhaca de bode” é um perfume irresistível para as cabras, por exemplo.
Atitudes irritantes
Nenhum tutor responsável e bem informado lança mão de castigos físicos para repreender o cachorro, nem para ensinar o que ele pode ou não pode fazer. Os longos discursos, no entanto, apesar de não serem tão prejudiciais, podem ser igualmente irritantes.
Por exemplo: o cachorro inadvertidamente encharca o sofá da sala com uma poça de xixi. É evidente que ele não quis fazer isso, apenas escapou. O tutor, ao se deparar com a cena, segura o peludo firmemente, e diz em voz pausada e decidida:
“Olhe, Bob. O que você fez não está certo. O sofá não é banheiro, não é lugar para fazer xixi. Quando você quiser fazer as necessidades, deve ir lá para fora. O móvel custou caro, eu ainda estou pagando as prestações, e ele está arruinado. Isso sem falar do cheiro, que empesteou o ambiente”.
O cachorro provavelmente ficará atento ao tutor, tentando compreender o que aquela enxurrada de sons significa. Mas é absolutamente certo que ele não conseguirá. Talvez entenda algumas palavras soltas, mas o sermão é totalmente inútil – e muito chato.
Em vez disso, o tutor deve apenas dizer: “Que feio! Não faça isso” – e apenas repetir: “Não”. Em seguida, deve-se levar o cachorro para o local adequado, mostrar o tapete higiênico (ou o cantinho do quintal), esperar que ele faça as necessidades e recompensá-lo por ter feito a coisa certa. É mais simples, menos cansativo e muito mais eficiente.
Passeios e explorações
Um antigo anúncio comercial dizia que “Não basta ser pai, tem que participar”. Na relação com os cachorros, nós assumimos as funções de pais e mães. E como genitores dedicados, uma das tarefas diárias é levar os peludos para passear.
É um momento de caminhar, correr, saltar, brincar, explorar, investigar os arredores da casa – o covil em que a família (ou matilha) se reúne, se agasalha e fica protegida tanto de possíveis agressores, quanto de mudanças na temperatura.
O passeio, portanto, é do cachorro. O tutor faz o papel de guia e protetor. O tempo e o ritmo são definidos pelo tutor, mas devem agradar o peludo. E não existe nada mais irritante do que ser forçado a caminhar muito devagar, não parar para investigar coisas importantes (como uma borboleta, um reflexo de sol ou o cocô de um colega que passou no local alguns momentos antes.
O tutor pode aproveitar para ensinar os comandos básicos, como “fica” e “junto” – eles facilitam as caminhadas, tornando-as mais seguras. Os cachorros também precisam aprender a não correr fora de hora, não avançar sobre desconhecidos (nem mesmo para brincar) nem a puxar a corrente.
Os passeios deixam os cães mais equilibrados e obedientes, fortalecem os vínculos com os tutores e são excelentes situações de aprendizado, mas não se pode perder de vista que são momentos divertidos especialmente para os peludos. Se nós nos divertirmos também, as caminhadas têm um bônus.
Gritos contra gritos
A compositora Rita Lee cantou que “pra pedir silêncio, eu berro”. A artista tem todo o direito de expressar suas emoções e sensações, mas a estratégia funciona com os cachorros, da mesma forma que irrita outros humanos, inclusive crianças.
Alguns cachorros são barulhentos e é preciso educá-los para que não gritem o tempo todo, perturbando a paz e assustando os mais distraídos. Mesmo assim, não se pode esquecer que cachorros latem. As vocalizações são importantes na comunicação e também para demonstrar sentimentos.
Existem diversas técnicas eficientes para atenuar (mas não eliminar) os latidos, mas gritos e berros não são estratégias eficientes. Os cachorros possuem uma audição muito mais apurada do que a nossa e, desta forma, elevar a voz serve apenas para excitá-los ainda mais.
Se eles estiverem alegres, ficarão felicíssimos. Se estiverem com medo, ficarão apavorados. É possível que eles percebam que alguma coisa está desagradando os humanos da família, mas, sem conseguir definir o que é, os cães ficam apenas ansiosos e estressados.
Qualquer comando deve ser dado com voz firme, em palavras ou frases curtas. Não é necessário elevar a voz – ao contrário, os gritos são contraproducentes. Os peludos ficam irritados, desorientados, sem saber o que fazer. E, como eles prezam o equilíbrio e a estabilidade, acabam apenas odiando a situação, sem aprender nada. Talvez até se tornem mais barulhentos.
Ordens e contraordens
Como foi dito, os cães gostam muito da estabilidade. Eles também são inteligentes e dotados de boa memória, fatos que qualquer pessoa que conviva com eles pode certificar. Por isso, é muito importante que as regras da casa sejam consistentes.
Os cachorros não se importam em dormir no quintal, não subir nos móveis, não ter autorização para ultrapassar a porta da cozinha. Quem define esses limites são os tutores. Mas. De qualquer forma, é preciso ter estabilidade.
Se a norma é “não pode entrar”, é muito simples: não pode, em nenhuma situação. Alguns tutores, no entanto, mudam as regras de acordo com o humor – e quanto mais este varia, mais instável fica o relacionamento.
Um cachorro não consegue entender que, em um dia, ele pode dormir na cama do tutor, com direito a cobertor e travesseiro, e, no dia seguinte, não pode nem sequer cruzar a soleira da porta do quarto.
Para os cachorros, os tutores são os líderes da matilha. Nós estabelecemos as regras, definimos o que pode ou não ser feito, mas, em contrapartida, também fornecemos abrigo, proteção, alimento, educação e carinho.
As regras precisam ser claras – como em qualquer outro relacionamento. Os cachorros conseguem entender a diferença entre “não pode entrar” e “não pode entrar enquanto não limpar as patas”, desde que eles assimilem pequenos rituais:
- 1) chegar do passeio;
- 2) tirar a coleira e a guia;
- 3) limpar e enxugar as patas;
- 4) entrar na sala;
- 5) aconchegar-se no sofá (ou no tapete, na caminha, em um canto qualquer).
Tratando cachorros como bebês
Este é um erro comum entre os tutores de cães de pequeno porte. É perfeitamente compreensível: afinal, seres tão fofos e maravilhosos só podem ser bebês frágeis e indefesos, que precisam de proteção permanente.
Certamente, é importante que os tutores busquem garantir os cuidados necessários para evitar acidentes. Um simples degrau pode se tornar o cenário de uma queda perigosa para um chihuahua ou um lulu da Pomerânia.
Mas os cachorros não são bibelôs, nem bebês. Um peludo de um ano de vida já é quase um adulto. Além disso, ele é curioso, fiel aos tutores e totalmente consciente dos seus deveres em relação aos humanos.
Quem convive com um lulu da Pomerânia, por exemplo, sabe que ele é extremamente guardião e protetor. Se houver outros cães na casa, ele é sempre o primeiro a dar o alerta quando alguma coisa está errada.
O nome oficial da raça, aliás, é spitz alemão anão. Spitz são os cães classificados como “primitivos”, isto é, aqueles que mantêm mais características dos lobos, os ancestrais dos cachorros. Um lulu, na verdade, é um pequeno lobo, com todos os direitos e deveres da espécie.
Não se trata de mimar e paparicar os cães. Isto pode ser feito com animais de qualquer idade ou porte – um dálmata, por exemplo, passaria a maior parte do tempo aconchegado ao lado dos tutores, se tivesse oportunidade.
O erro está nos excessos. Um cachorro pode ficar muito bonito com roupas e acessórios, mas estes não podem interferir na movimentação, nem causar desconforto. Mesmo as luvas caninas, geralmente consideradas como “frescuras”, têm muita utilidade. Quem diz o contrário pode experimentar caminhar descalço em uma calçada de cimento ao Sol do meio-dia, durante uma tempestade ou quando os termômetros despencam.
Outra impropriedade é falar com os cãezinhos com “voz de criança” – e é muito comum entre os tutores. Como já foi dito, os comandos e ordens precisam ser proferidos em tom firme, com palavras curtas e sem elevar a voz.
O tatibitate apenas confunde os cães: eles não entendem por que os tutores estão ceceando, pronunciando coisas incompreensíveis. Até mesmo as crianças humanas ficam incomodadas com as tentativas de imitação dos adultos.
Nem criança, nem adulto
Os cachorros não são bebês. Por outro lado, eles também não são pessoas, não são “gente como a gente”. Eles são cachorros, uma espécie que evoluiu durante centenas de milhares de anos antes de encontrar “gente” em uma caçada qualquer.
Na organização social canina, cada membro desempenha funções definidas. Alguns exercem a liderança (e distribuem as tarefas), outros se responsabilizam por caçar e trazer alimento para o grupo, outros fazem a sentinela para garantir a segurança, outros cuidam dos filhotes e ensinam os jovens.
Em casa, os cachorros entendem que a “hierarquia da alcateia” se repete. Os tutores são os líderes, que determinam quem faz o quê em qual momento. A submissão canina não é sinônimo de humilhação: ao contrário, eles exercem as tarefas que lhes são determinadas e, em contrapartida, recebem cuidados básicos e carinho. Tentar estabelecer uma relação horizontal é o caminho certo para um desastre doméstico.
Ao identificar o tutor como o líder – o “alfa” da matilha – os cachorros se sentem protegidos e estáveis. É o líder quem garante a segurança do covil, o alimento. Para o aprendizado canino, o tutor é a referência.
Tratar cachorro como cachorro é a melhor maneira para garantir o amor incondicional que os peludos são capazes de demonstrar várias vezes por dia, durante anos seguidos. Evitar atitudes irritantes também faz parte de uma relação prazerosa.