O ritual é sempre o mesmo: andar em círculos antes de fazer cocô. Por que os cachorros fazem isso?
Assim como os humanos, os cachorros exibem alguns comportamentos estranhos, como correr atrás do próprio rabo, uivar para a lua, levantar as sobrancelhas, etc. Muitos tutores ficam admirados com um comportamento específico: andar em círculos antes de fazer cocô. Será que existe um motivo especial para isso?
Defecar é uma atividade natural do organismo: é a última etapa do processo de digestão, em que as substâncias não aproveitadas são eliminadas. O que leva muitas pessoas a ficarem intrigadas são justamente os giros, aparentemente sem motivo.
Mas, na natureza, os seres vivos tendem a não gastar energia além do necessário. Para “recarregar a bateria”, é preciso encontrar alimentos e a procura quase sempre é difícil e até mesmo perigosa. Retornamos, desta forma, à pergunta inicial: por que consumir calorias em um gesto inútil e que não gera nenhuma forma de satisfação e prazer?
Desvendando o mistério
Os cachorros e os humanos convivem há milhares de anos, mas apenas recentemente – pouco mais de um século – nós resolvemos nos debruçar sobre os mistérios que envolvem os nossos melhores amigos.
Desde então, surgiram algumas hipóteses para tentar explicar por que os cachorros giram antes de fazer o nº 2. A primeira explicação foi a de que, com o movimento, os peludos achatavam o solo, tornando a superfície mais agradável – e menos pontiaguda.
Alguns especialistas também passaram a acreditar que os giros eram parte de uma estratégia de defesa: enquanto andam em círculos, os cachorros conseguem visualizar o ambiente ao redor e certificar-se de que não há nenhum risco – a aproximação de um predador ou de um deslizamento, por exemplo.
A primeira explicação foi rapidamente descartada: afinal, os cães se adaptaram à vida nas mais diferentes condições de clima e vegetação e, assim, não haveria necessidade de achatar um terreno gramado e macio. Por outro lado, o ato é totalmente inútil em regiões arenosas ou pedregosas.
A segunda hipótese – a da varredura rápida do ambiente – faz mais sentido. Mesmo não estando expostos a grandes riscos em casa, os cachorros continuam procurando se defender de alguns perigos, como sons muito altos e movimentos frenéticos.
Para reforçar a hipótese da ronda preliminar, outro fato pode ser observado comumente: os peludos também giram em torno do corpo antes de se deitar, seja em uma almofada, seja em um piso duro e frio. No caso da almofada, ela já é macia e girar sobre ela é desnecessário; no caso do chão duro, ele não se torna mais agradável e, portanto, o gesto é inútil.
A razão principal do cachorro girar para fazer cocô
De qualquer forma, os giros podem tornar o local mais agradável e seguro. Mas o motivo principal é outro. O movimento serve de alerta para outros cães que circulam pelo território, mesmo que o hábito ocorra em um apartamento totalmente isolado.
Ao girar sobre o corpo, caso o piso seja macio, o cachorro cria uma sinalização: a grama deitada é um aviso para que outros animais não se aproximem, porque o território já está ocupado.
Mesmo no caso de pisos duros, como a calçada da rua, os giros exercem uma função fundamental: espalhar feromônios. Trata-se de substâncias químicas relacionadas principalmente à sexualidade. Elas são secretadas para atrair parceiros.
Além de atraírem o sexo oposto (exclusivamente na mesma espécie, ou seja: uma cadela não se aproximará da área demarcada por um gato), os feromônios também servem de sinais de alarme (alertam a perigos), de trilha (indicam a passagem), de ataque (inibem a presença de adversários) e de agregação (informam a presença de alimentos).
Ao girar o corpo antes de fazer cocô (e também como preparação para o descanso), os cachorros estão sinalizando a posse de um território: é como se eles dissessem para possíveis inimigos: “esta área é minha, eu cheguei primeiro, afaste-se daqui ou sofra as consequências”.
Os giros são mais elaborados pelos cachorros dominantes e territorialistas. Um cão pastor, que precisa defender o pasto do rebanho, impedirá a aproximação de predadores e oportunistas, enquanto um caçador, que percorre longas distâncias em locais diferentes, não se preocupa muito em sinalizar a “sua área de atuação”.
Uma explicação surpreendente
Apesar de a hipótese de preparação do terreno ser suficiente para explicar o comportamento canino, um zoólogo alemão apresentou um estudo que tenta explicar melhor os giros dos cachorros. É o pesquisador Hynek Burda, professor titular da Universidade Charles, de Praga (República Tcheca).
Burda desenvolveu estudos sobre as condições magnéticas do planeta e os movimentos dos animais. O pesquisador é um dos precursores sobre os efeitos do magnetismo na migração de aves e peixes, além do sentido de localização de diversas espécies de mamíferos.
Em 2013, o pesquisador publicou um estudo na revista Frontiers in Zoology, uma publicação da Sociedade Zoológica Alemã. De acordo com o cientista e sua equipe, os cachorros giram em torno do corpo (antes de se deitar ou fazer o nº 2) para se calibrar com o campo magnético da Terra.
O estudo ocupou dois anos de trabalho da equipe. Durante o processo, Burda e equipe analisaram as fezes de quase dois mil cachorros fazendo cocô e concluíram que os peludos se alinham ao eixo magnético do planeta: é a chamada magnetorrecepção.
O mesmo fenômeno pode ser observado em rotas migratórias, inclusive de animais que se deslocam por milhares de quilômetros. Burda concluiu que, durante as horas de Sol, os cachorros buscam se voltar para o sul (no hemisfério norte) enquanto defecam, alinhados com o eixo da Terra.
Quando ocorrem instabilidades magnéticas, por conta de diversas radiações, inclusive solares, os cachorros consomem mais tempo nos giros ou não conseguem se posicionar corretamente. Vale lembrar que é o campo magnético que possibilita a existência de vida na Terra.
Diariamente, todos nós somos bombardeados por radiações. O campo magnético barra a maior parte destas ondas, que, em excesso, podem ser prejudiciais à saúde(e, há alguns bilhões de anos, poderiam ter impedido o surgimento das primeiras bactérias).
Os giros, portanto, são uma forma de localização espacial. Os cachorros tentam se alinhar aos polos magnéticos para se lembrarem se onde fizeram cocô, de onde vieram e para onde vão depois da eliminação das fezes.
As informações são importantes para marcar território (e relacionar-se com outros cachorros da área) e fundamentais para a localização espacial. Mesmo que eles quase sempre sejam conduzidos pelos tutores, os peludos precisam ter certeza de onde estão, para garantir a segurança.