É um comportamento normal. Cachorros cheiram o próprio cocô e o de outros animais. Saiba por quê.
Alguns tutores acham estranho, outros consideram até mesmo constrangedor, mas o fato é que os nossos cachorros cheiram o cocô de outros cães, de gatos e de qualquer outro animal. Trata-se de uma forma de comunicação bastante eficiente.
É muito provável que, ao cheirar o cocô de outros cães, um peludo consiga obter mais informações sobre eles do que dois tutores conversando. As fezes indicam algumas características, como sexo, idade, condições gerais de saúde, etc.
As glândulas anais
Esta é uma característica da estrutura anatômica da maioria dos mamíferos quadrúpedes – entre eles, os cachorros e os gatos. Elas também estão presentes nos seres humanos, mas são bem menores – apenas algumas glândulas sebáceas espalhadas no canal anal, do tamanho da cabeça de um alfinete.
Em um cachorro de grande porte, no entanto, as glândulas anais (também chamadas de adanais e perianais) alcançam o tamanho de bolas de gude (nos menores e nos gatos, elas são semelhantes a ervilhas).
Em todos os casos, a função é a mesma: lubrificar as fezes, para facilitar a expulsão. Durante o processo digestório, cabe ao intestino grosso (cólon) absorver a água necessária à hidratação do organismo. O material não aproveitado na nutrição (fibras alimentares, por exemplo) é acumulado no reto – a última porção do intestino grosso – até a defecação.
As glândulas anais (são duas, uma de cada lado do ânus, sob a pele) secretam um líquido viscoso amarelado ou amarronzado. Em alguns casos, o corrimento desse líquido para o exterior pode denunciar alguns problemas, como abscessos e fístulas. Caso ele esteja presente nas roupas do peludo, o ideal é consultar o veterinário.
Mas os cães também tendem a pressionar os músculos posteriores, especialmente da garupa e das ancas, quando sentem medo ou raiva. Quando isto ocorre, o líquido produzido pelas glândulas é expelido e deixa sinais.
Cheirando o cocô dos cachorros
Em algumas condições, o olfato humano é capaz de identificar o cheiro desse líquido lubrificante, especialmente quando ocorre algum problema de saúde e o material se torna fétido e muito mais abundante.
Os cachorros, no entanto, sempre identificam o cheiro. Durante uma caminhada, ao parar para inspecionar o cocô de outros cães (inadvertidamente deixado na calçada por tutores negligentes), os peludos conseguem obter vários dados sobre o “autor”.
Para eles, é possível saber o sexo. Esta é uma informação importante para identificar possíveis parceiros sexuais: no caso das fêmeas receptivas, o cocô também exala feromônios, substâncias que indicam o cio. Os machos não castrados podem se localizar e sair em busca de uma possível companheira.
O cheiro do cocô dos cachorros também indica a idade e o estado de saúde, além de algumas características emocionais, como a ansiedade e o estresse. Ao parar para inalar, os cachorros descobrem se o animal responsável pelas fezes é dominante ou submisso, por exemplo.
Caso seja um animal territorialista, os peludos podem se preparar para um confronto em busca da supremacia local ou para fugir o quanto antes da ameaça – os animais dóceis e submissos entendem que é melhor ficar a uma distância segura dos “valentões”.
O cheiro do cocô também informa há quanto tempo ele foi expelido. Isto permite aos “cheiradores” estabelecerem um plano: perseguir o “invasor do território”, escapar rapidamente do local ou procurar segurança e proteção – quase sempre, no colo ou junto às pernas dos tutores.
Deitando e rolando
Os cachorros não apenas cheiram o cocô de outros animais: se eles tiverem oportunidade, é igualmente comum que eles deitem e rolem sobre as fezes. O comportamento é mais comum entre os cães que vivem nas zonas rurais.
No entanto, com o aumento dos dog parks nas cidades, em que os peludos podem correr e brincar livremente e em segurança, sem necessidade da guia e do controle direto dos tutores, a atitude vem sendo observada cada vez mais frequentemente, muitas vezes para tristeza dos humanos, que não conseguem entender o gesto.
Por que, afinal, animais tão inteligentes como os cachorros se esfregam sobre excrementos? A ciência ainda não tem respostas definitivas, mas existem algumas evidências. O comportamento é comum também entre outros canídeos, como raposas, coiotes e lobos.
Acredita-se que o comportamento (considerado nojento pela maioria dos humanos) esteja relacionado à vida selvagem. Os lobos, ancestrais dos cães, rolam sobre fezes alheias para disfarçar o próprio cheiro, visando aproximar-se das presas com maiores possibilidades de êxito na caça.
A maioria dos estudos indica que os lobos costumam rolar sobre fezes de outros predadores. Pat Goodman estuda cães e seus parentes próximos há mais de 20 anos – ela é a curadora sênior do Wolf Park de Indiana (EUA).
Ficar com o cheiro de outros predadores, como leões-da-montanha e ursos, não é exatamente uma estratégia de caça eficiente: a chance de afugentar a caça é muito maior. Mas os lobos raramente caçam por emboscada: eles costumam perseguir as presas em bandos complexos.
O cheiro, portanto, não é um disfarce, mas a indicação de que “existe um predador feroz na área”. Em vez de se camuflar, um lobo com odor de urso pode estar transmitindo uma mensagem para amedrontar as presas, levando-as a condutas mais arriscadas, na tentativa de escapar.
A ideia foi reforçada por um estudo publicado em 2016, por Max Allen, ecologista da Universidade de Wisconsin (EUA). Ele pesquisou raposas-cinzentas, que se esfregavam em excrementos (urina e fezes) de pumas machos. As pequenas caçadoras certamente tentavam parecer maiores e mais assustadoras, tanto para a caça, quanto para caçadores.
Esfregar-se em fezes, ou apenas aspirar o odor, portanto, está associado a uma série de necessidades cotidianas: mostrar-se maior do que realmente é, ocultar o próprio cheiro, identificar a presença de parceiros e competidores.
O comportamento animal é complexo. Cheirar o cocô, ou até mesmo rolar sobre ele, não é uma atitude anormal, característica de problemas físicos ou emocionais. É uma forma de comunicação, que continuará sendo empregada pelos peludos, mesmo com as broncas e o desapontamento dos tutores.