Eles são leais e companheiros, mas existem outros motivos por que as pessoas adoram cachorros.
Os cachorros acompanham os humanos há milênios. Pode-se dizer que a nossa espécie, com as características atuais, não existiria sem a presença, a proteção e a companhia dos peludos. As pessoas adoram os cachorros por motivos óbvios: companheirismo, defesa, suporte nas mais diversas atividades, amizade leal e desinteressada.
Mas, além dos sentimentos e das sensações agradáveis da parceria entre as pessoas e os cachorros, há uma razão objetiva para tanto amor. Os nossos filhos de quatro patas fazem parte da família por um pequeno detalhe biológico.
A ocitocina
Trata-se de um hormônio produzido pelo hipotálamo, uma região do diencéfalo entre o tálamo e a hipófise responsável por manter a homeostase, ou seja, o funcionamento orgânico em equilíbrio.
A ocitocina foi descoberta em 1909, pelo farmacologista inglês Henry H. Dale, que, anos mais tarde, em 1936, dividiu o Prêmio Nobel de Fisiologia com o farmacêutico alemão Otto Loewi. Em função das suas pesquisas sobre as trocas químicas no sistema nervoso.
Dale descobriu uma aceleração na atuação do hipotálamo estudando gatas grávidas. O aumento dos níveis de ocitocina está diretamente relacionado às contrações uterinas durante os trabalhos de parto.
Outros estudos revelaram que a ocitocina é igualmente responsável pela estimulação das glândulas mamárias (não apenas nas gatas, mas em todas as mamíferas) e está presente nas manifestações de amor, afeto, união social e bem-estar.
Conhecida como “hormônio do amor”, a ocitocina é liberada quando estamos com os nossos parceiros preferenciais. Quando isso acontece, as glândulas suprarrenais reduzem a produção do cortisol, substância relacionada ao estresse.
A ocitocina, portanto, está presente naqueles instantes em que nós estamos relaxados, confortáveis e tranquilos, com poucas preocupações relacionadas à segurança. Ela está associada ao bem-estar físico e emocional, a ligações amorosas e de amizade.
Este hormônio é considerado “tímido”. Sendo a principal substância química relacionada ao amor, ela depende de fatores ambientais para ser liberada. Pesquisadores de diversas partes do mundo descobriram que um desses fatores é justamente a presença dos nossos cachorros.
Os estudos
Nos últimos 120 anos, descobriu-se que a ocitocina promove a afeição, reduz o estresse e a pressão arterial, estimula o instinto de proteção e é muito importante nas relações que os humanos estabelecem entre si e com os animais domésticos.
Vanessa Woods e Brian Hare, dois pesquisadores da área de evolucionismo da Universidade Duke (Durham, Carolina do Norte, EUA), estudaram, em 2006, situações em que a ocitocina é liberada: ela está presente, por exemplo, quando sentimos o toque de uma pessoa querida, quando ganhamos uma massagem e até quando partilhamos uma refeição agradável.
A surpresa constatada pela dupla de pesquisadores foi identificar que essas sensações de conforto e bem-estar também estão presentes nas relações entre humanos e cachorros. Woods e Hare publicaram as suas conclusões no livro “The Genius of Dog” (ainda sem tradução no Brasil).
Os pesquisadores usaram os resultados obtidos em três estudos:
• a análise da troca de olhares amistosos entre cães e tutores, realizada em 2015 por Miho Nagasawa, do Departamento de Biotecnologia da Universidade de Azabu (Japão);
• as interações entre humanos e destes com os cães, em que os níveis de ocitocina se elevam nos momentos de brincadeiras, carinho e muitas lambidas. A pesquisa foi conduzida por Linda Handlin, da Universidade de Skövde (Suécia), em 2017;
• as alterações na corrente sanguínea durante a interação de cachorros e tutores. Pesquisadores da Universidade de Pretória (África do Sul) identificaram, em 2016, um aumento sensível não apenas da ocitocina, mas também das betaendorfinas (relacionadas ao bem-estar e ao alívio da dor) e da feniletilamina, precursora da dopamina (relacionada ao prazer, a mudanças positivas do humor e à melhoria do aprendizado, da memória e do sono).
Com base nesses três estudos e com experimentos próprios, Woods e Hare concluíram que a presença dos cães melhora a qualidade de vida dos humanos, que, portanto, tendem a manifestar o afeto e o amor por eles.
Os benefícios da presença de um cachorro em casa, no entanto, estão diretamente relacionados aos sentimentos gerados pelo animal nos humanos. Aqueles que consideram a criação um fardo ou uma obrigação não sofrem alterações na produção dos hormônios relacionados ao prazer e ao bem-estar.
As conclusões
Por que as pessoas adoram cachorros? A resposta é simples: porque os peludos nos fazem um bem imenso. Mas as vantagens não são imediatas: os cães dão muito trabalho e requerem responsabilidade por parte dos tutores.
O amor desenvolvido pelos humanos em relação aos cachorros é uma via de mão dupla. Os cães (e também os gatos) encaram os tutores não apenas como provedores, mas como verdadeiros pais. Para eles, a boa notícia é que essa presença protetora se mantém por tempo indefinido.
Uma pesquisa de 2022 da Universidade Emory (Atlanta, Geórgia, EUA), desde que sejam criados próximos, os cachorros encaram os tutores como membros da família. O estudo foi feito a partir da análise de ressonâncias magnéticas de 55 cachorros em interações diversas com os humanos.
Os cachorros percebem a presença dos tutores principalmente através do olfato – o nível de ocitocina foi elevado apenas quando o tutor entrava em uma sala ao lado do ambiente em que o animal estava, sem contato visual.
Mas os peludos também identificam a presença amiga através da visão. A sensação de alívio e bem-estar também pôde ser constatada inclusive com a projeção de imagens (fotos e vídeos) dos humanos favoritos dos pets.
No cérebro canino, a aproximação dos tutores estimula a mesma área responsável pelas recompensas: o sistema límbico, cujos neurônios possuem grande número de receptores de dopamina, um dos “hormônios da felicidade”, associado a sensações de prazer e satisfação. A dopamina também aumenta a motivação.
O amor que os cães sentem pelos seus tutores (que, ao que tudo indica, é recíproco) é estimulado pela simples presença dos humanos em que os peludos confiam, mas é estimulado com as interações, como agrados, brincadeiras e palavras de estímulo.
Os olhares
Apesar de se relacionarem com o ambiente principalmente através do olfato e da audição, os cachorros passaram a valorizar também a visão. Isto provavelmente ocorreu com a aproximação dos cães e humanos, ocorrida há milhares de anos.
A conexão através do olhar, de acordo com pesquisadores da Universidade de Azabu (estudo publicado em 2015 na revista Science), também beneficiou os humanos. Os contatos visuais de humanos e de cachorros são mais expressivos e eficientes do que o observado entre lobos (os parentes mais próximos dos cães) e chimpanzés (os mais próximos do H. sapiens).
A troca mútua de olhares estimula a produção da ocitocina, aumentando a confiança e, consequentemente, a conexão entre tutores e pets. O estudo avaliou as interações de 55 duplas, que foram observadas durante 30 minutos.