Em tempos de pandemia, vale tudo. Pesquisadores britânicos estudam cães para detectar Covid-19.
O olfato apurado dos cães é conhecido há muito tempo. A ONG Medical Detection Dogs (cachorros para detecções médicas, em tradução livre), da Grã-Bretanha, pretende treinar seus animais para que eles possam farejar o novo coronavírus (SarS-Cov-2), o agente causador da pandemia que assola o mundo todo.
O procedimento se baseia na hipótese de que cada doença humana possui um cheiro característico único. Apesar de imperceptível para as nossas narinas, o olfato dos cachorros é muito mais apurado. Nós possuímos cerca de cinco milhões de células receptoras olfativas, enquanto os peludos apresentam 300 milhões. Além disso, eles são capazes de identificar cheiros diferentes em cada narina.
O projeto
Pode parecer estranho, mas os cães da ONG britânica já são usados para a detecção de algumas doenças – entre elas, o mal de Parkinson e alguns tipos de câncer.
Criada em 2008 com o objetivo de aproveitar o faro canino na identificação de doenças humanas, Medical Detection Dogs está trabalhando no projeto sobre a Covid-19 desde março de 2020.
Sediada em Milton Keynes, a 70 km de Londres (a capital inglesa), a ONG está treinando intensivamente os cachorros para ajudar no diagnóstico da Covid-19. No canil, alguns animais adestrados já trabalharam na identificação de alguns tipos de câncer, mal de Parkinson e infecções bacterianas.
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Os cães conseguem identificar alguns cheiros imperceptíveis para humanos presentes nos perdigotos (gotas microscópicas de saliva e muco eliminadas com a respiração). Espera-se que os animais possam identificar rapidamente, entre centenas de transeuntes, aqueles que precisam se submeter a um teste laboratorial – e, consequentemente, ao isolamento.
Claire Guest, fundadora e diretora executiva da Medical Detection Dogs, está trabalhando em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, pertencente à Universidade de Londres, e à Universidade de Durham, no noroeste do país.
A equipe de Guest demonstrou em 2018 que os cães são capazes de identificar a malária. Os pesquisadores acreditam existir uma probabilidade elevada de os animais detectarem a Covid-19 e, com isso, transformar a nossa resposta à pandemia.
Um dos motivos da capacidade infecciosa do SarS-Cov-2 é que o vírus permanece assintomático de três a sete dias no organismo humano, mas a pessoa contaminada já é capaz de transmiti-lo no contato social.
Caso a pesquisa da Medical Detection Dogs se revele realmente eficaz, os cães podem ser colocados em locais de grande trânsito de pessoas, como aeroportos, terminais rodoviários, centros comerciais, etc., e identificar a Covid-19 antes que surjam os sintomas da doença.
Além disso, parte dos infectados não apresenta sinais moderados ou graves, mas continuam sendo transmissores ativos da doença. A capacidade de transmissão do SarS-Cov-2 é de 1:3, ou seja, cada infectado transmite a enfermidade para outras três pessoas.
Caso seja possível identificar a Covid-19 antes da manifestação dos sintomas graves, os pacientes poderão ser isolados socialmente, reduzindo a taxa de transmissão, um fator de forte redução de novos casos.
Os cães treinados pela Medical Detection Dogs também poderão ser empregados depois dos surtos iniciais, caso a Covid-19 se torne endêmica (como a gripe, os resfriados e a AIDS, por exemplo). As autoridades de saúde conseguiriam identificar um novo surto da doença antes que ela se disseminasse, comprometendo vidas e a capacidade laboral das pessoas.
O número de pessoas infectadas com o SarS-Cov-2 já ultrapassou a casa de 2,5 milhões até esse momento. Acredita-se que o total de casos seja muito maior, dada a incapacidade de diversas localidades para diagnosticar rapidamente a doença.
A Covid-19 é a maior ameaça à saúde humana em mais de 100 anos. A última vez que tivemos de lidar com um vírus tão infeccioso foi em 1918-19, com a pandemia da gripe espanhola.
Encontrar meios de identificar a doença, isolar os pacientes e oferecer o tratamento adequado antes que surjam sintomas graves, como a insuficiência respiratória e o comprometimento de outros sistemas orgânicos, pode representar uma vitória sensível sobre a pandemia e também sobre os novos surtos que eventualmente surgirão antes da descoberta de uma vacina e de sua produção em escala comercial.
Fonte: AFP.com