O significado primitivo da palavra igreja é “comunidade” e o da missa, “despedir os fiéis em missões”. Um padre católico está invocando estes sentidos originais para promover uma ação caridosa: a procura de novos lares para cães abandonados. A adoção dos peludos faz parte da liturgia nestes cultos religiosos.
O padre João Paulo Araújo Gomes é bastante conhecido na comunidade católica de Caruaru, cidade em pleno Agreste, a 135 km de Recife, a capital de Pernambuco. O sacerdote tem se destacado não apenas por sua missão religiosa, mas pela promoção do bem-estar dos animais. Ele tem usado a missa para incentivar a população da cidade a receber os cães de rua em suas casas.
As celebrações
A missa é uma das principais celebrações da Igreja Católica, e também de outras confissões cristãs. Nela, é evocado o sacrifício do Cristo em benefício da humanidade. Ela pode ser realizada todos os dias do ano (com exceção da Sexta-Feira Santa) e congrega os fiéis no rito da Eucaristia, um dos sete sacramentos católicos.
Nas missas que preside, o padre João Paulo incluiu uma prática que já é bastante conhecida em Caruaru. O sacerdote permite que cães de rua circulem livremente entre os bancos da igreja. Os peludos ficam soltos, para que os fiéis possam conhecê-los e, quem sabe, encontrar neles novos membros da família.
A adoção responsável é o objetivo e a iniciativa do padre tem permitido que muitas pessoas encontrem um novo melhor amigo. Os católicos de Caruaru têm se sensibilizado com a atitude e muitos cachorros carentes já encontraram novas famílias definitivas.
O padre também enfatiza a importância de oferecer um lar para os cães abandonados durante a homília (a preleção que explicita a fé católica e o significado dos vários elementos que compõem a missa).
Alguns fiéis comparecem à missa ao lado dos seus peludos, que sempre recebem as boas vindas à igreja através de um afago do sacerdote. Além de promover a adoção dos cães, o trabalho do padre João Paulo também fortalece a fé e a esperança dos humanos.
Repercussão na internet
A ação do padre João Paulo tem se ampliado nos últimos anos. Além de permitir que os cães de rua circulem na igreja durante a missa e de apelar para a caridade e solidariedade dos fiéis, ele levou à campanha de adoção para a internet.
No Instagram, o sacerdote é seguido por mais de 25 mil internautas. A página do padre João Paulo traz informações sobre a religião, notícias das atividades pastorais e sociais da igreja e, claro, incentivos à adoção de cães.
Há diversas fotos e vídeos de fiéis com os filhos de quatro patas recém-adotados – e boa parte delas tem a nave da igreja como cenário. O padre também publica relatos de adoções e agradece a vários fiéis pela iniciativa de receberem cães em suas casas.
Uma postagem chama atenção. Ela diz: “A questão não é se eles [os cães] têm alma ou não, se eles pensam ou não. A questão é que eles também sentem e sofrem!” – um incentivo à busca de lares para os peludos abandonados.
O trabalho de divulgação na internet criou uma verdadeira rede de contatos. A histórias de adoções bem-sucedidas, as descrições de peludos que esperam uma nova chance e os vídeos engraçados e comoventes multiplicam a campanha de promoção da adoção dos cachorros sem-teto.
Um post do padre João Paulo recebeu atenção de muitos internautas: a publicação recebeu milhares de curtidas e compartilhamentos. Ao compartilhar a imagem de alguns cães vindos de Lajedo (PE), a duas horas de distância de Caruaru, para receber a bênção dos animais, o sacerdote escreveu:
“O amor autêntico e cristão é includente, nunca excludente. Amar os animais não significa amar menos os seres humanos, mas é a grande escola do amor e da empatia universal. Amores não se contrapõem, mas se complementam. Ame a todos e a tudo, nunca deixe espaço para nenhuma forma de maldade e, assim, viverás o Evangelho.
Cachorro pode entrar na igreja?
A presença de cachorros nos templos religiosos é motivo de muitas polêmicas e discussões. Já houve casos, inclusive, de cerimônias de casamento interrompidas quando o celebrante descobriu que o pajem (responsável por levar as alianças) era um cachorro.
De acordo com as normas da igreja, não há nenhum documento oficial que estabeleça regras sobre a participação de cachorros e outros pets durante as cerimônias religiosas. Sem uma regra estabelecida, não há consenso sobre o assunto nas muitas dioceses católicas.
Em algumas cidades brasileiras, como São Paulo e Porto Alegre, a presença de cães na igreja é proibida formalmente. Mesmo assim, são realizadas bênçãos aos pets na área externa em algumas ocasiões, como o Dia de São Francisco (padroeiro dos animais).
Outras localidades reconhecem que levar o cachorro à igreja é um “fenômeno contemporâneo” e apela para o bom senso – por exemplo, não conduzir animais agressivos nem cansá-los em atividades que eles não conseguem compreender.
De qualquer maneira, os cães de apoio terapêutico (guias de deficientes visuais, de pessoas com alguns transtornos físicos e mentais, etc.) podem circular livremente por qualquer espaço de uso coletivo.
Atualmente, a Câmara dos Deputados está analisando o projeto de lei nº 4331/21, que assegura a qualquer pessoa o direito de ingressar e permanecer com o seu animal de estimação em qualquer estabelecimento aberto ao público e/ou de uso coletivo. O projeto está tramitando em caráter conclusivo pelas comissões de Meio Ambiente e de Constituição, Justiça e Cidadania.
Talvez o exemplo do padre João Paulo sirva para clarear o assunto. Todas as igrejas são importantes nas relações sociais e ninguém pode dizer que os cães, hoje em dia, tenham obtido status de membros das famílias.
O mais importante é oferecer condições básicas de sobrevivência para os peludos: alimento, água e abrigo ao frio, ao sol e à chuva. Estimular a adoção é um gesto nobre, que pode ser situado entre outras ações comunitárias fundamentais.