Os tutores não têm dúvidas sobre isso, mas será que os cachorros sabem que são fofos?
Entre os animais, não é comum a apresentação de alterações fisionômicas. Muitas espécies possuem ampla linguagem corporal, mas, com exceção dos primatas, a maioria não tenta traduzir sensações e emoções com o próprio rosto. Os cachorros, no entanto, não são assim: eles fazem caras e bocas para mostrar que são fofos – e conquistar os tutores.
Os gatos, por exemplo, pouco alteram a expressão fisionômica. É possível saber que eles estão confortáveis, irritados, amedrontados, mas nada além disso. Eles costumam usar a linguagem corporal para se comunicar com outros bichanos e com os humanos e cachorros com quem convivem.
Os cachorros, no entanto, vão muito além. Eles apertam os olhos (que se tornam menores e passam impressão de desproteção – é um jeito de “falar” que querem colo ou cafuné), levantam uma ou as duas orelhas, fazem a cabeça pender para os lados, entreabrem a boca e ganham os tutores com todas essas expressões.
É claro, eles também demonstram raiva e medo, quase sempre expondo os dentes poderosos (a dentição completa de um cachorro apresenta 42 dentes afiados e potentes). Mas, ao longo da convivência com os humanos, eles aprenderam a se comunicar principalmente com a cabeça – e não é preciso ser muito perspicaz para perceber o que eles pretendem.
Razões de ser
Quem não convive com cachorros e ainda não conhece a persistência da espécie pode ficar surpreso ao descobrir os truques de que eles são capazes para conseguir o que querem – comida, um petisco, carinho, passeio, brincadeira, etc.
As vantagens, no entanto, não são exclusivas dos peludos. É possível que, ainda antes do surgimento do Homo sapiens, os lobos já demonstrassem interesse na companhia dos nossos ancestrais. Seja como for, nos últimos 20 mil anos, eles se transformaram nos melhores amigos dos humanos – e nós temos muito a lucrar com esta convivência.
• Redução do estresse – viver com um cachorro ajuda a reduzir o estresse. Por mais problemas que tenham sido acumulados durante o dia, chegar em casa e ser recebido por um peludo ávido por fazer festa e dar saltos de alegria e muitos lambeijos elimina muitas tensões.
Mas, se você está se sentindo feliz, a presença de um cachorro só faz melhorar o dia. Os peludos parecem ser equipados com um radar que detecta o nosso estado de espírito. Eles são brincalhões e expansivos quando estamos nos sentindo bem, mas quietos e solidários quando pressentem que precisamos de um tempinho silencioso.
Estudos conduzidos pela Universidade da Califórnia (EUA) entre 2012 e 2017 indicam que os tutores de cães são menos propensos a ataques cardíacos agudos. O número de tutores infartados é 40% menor do que entre os que vivem sem a companhia de um cachorro.
• Aumento da inteligência – os cachorros são animais curiosos e inteligentes. Eles estão sempre analisando o ambiente e as pessoas com quem divide a casa (e a rua, nos passeios diários).
Os peludos podem aprender em qualquer idade. Os filhotes aprendem truques e regras com mais facilidade, mas mesmo um idoso, com 12 anos ou mais, pode incorporar novos conhecimentos. Isto estimula naturalmente a inteligência de todos os que convivem com cachorros, que precisam acompanhar o ritmo de aprendizado do pet.
Eles incorporam rapidamente o que é ensinado, mas não precisam de estímulo para aprender coisas novas. O “jeito de ser fofo” dos cachorros é uma estratégia desenvolvida por eles mesmos, ao observarem as reações dos humanos à volta.
• Boa companhia – alguns cachorros são rabugentos e muitos são bastante independentes. De qualquer forma, no entanto, eles não abandonam os tutores: estão sempre ao lado, para o que der e vier.
Eles são capazes de organizar um relógio interno para identificar os horários de chegada de todos os membros da família. Também são capazes de perceber momentos especiais, como as refeições, brincadeiras e passeios. Não tente enganar um cachorro: mesmo em um dia de chuva, ele sabe o momento certo da caminhada e é difícil fazê-lo mudar de ideia.
Quando alguém de casa fica doente, os cachorros se postam como fiéis escudeiros no pé da cama, no tapetinho ao lado, na porta do quarto (tudo depende das regras da casa) e não arredam pé (ou pata) enquanto não virem o doente se levantar, revigorado.
A melhor companhia, no entanto, é nas brincadeiras. Cachorros brincam com humanos: eles assimilam regras novas, criam estratégias, propõem outras formas para brincar e estão sempre dispostos a correr, saltar, superar obstáculos, encontrar objetos ou recuperá-los em pleno ar. São amigões, companheiros – fofos, em outras palavras. E sabem nos convencer a participar de jogos e travessuras.
Acima de tudo, os peludos são extremamente leais. Eles criam vínculos com os tutores e, na posição de defensores e guardiães, podem dar a vida se perceberem um risco extremo. Ou entrar em uma boa briga para garantir a integridade da família.
A manipulação
Obviamente, sendo animais inteligentes, os cachorros passaram a usar a inteligência para manipular os tutores. O objetivo é conseguir as recompensas que acreditam merecer. Portanto, o fato de serem fofos esconde uma tremenda capacidade de manipulação.
Isto não altera em nada a convivência entre caninos e humanos. Nós também exploramos os peludos. Eles não marcham mais para a guerra, nem precisam passar longas noites ao relento cuidando de rebanhos, mas muitos ainda guardam a casa e o patrimônio, exercem funções policiais, trabalham em equipes de resgate a acidentados, etc.
O mais importante: eles continuam sendo companheiros fiéis e leais. Podem até armar uma “carinha carente” para obter o que querem, mas o oferecimento de um biscoito ou de um carinho é um preço baixo a ser pago pela companhia prazerosa dos peludos.
De qualquer forma, a manipulação canina é um fato constatado. Está presente na estrutura genética dos cachorros – sem perceber, nós selecionamos os cães mais dóceis, espertos e obedientes, mas também os que melhor conhecem a nossa personalidade.
Um estudo da Universidade de Zurique (Suíça), publicado em 2017 pela revista alemã “Animal Cognition” (especializada em ciências cognitivas e comportamento animal), demonstrou que os cães adotam condutas diferentes, de acordo com a reação dos humanos ao seu redor.
O estudo analisou o comportamento de 27 cães de diversas raças, confrontados com dois humanos. Um deles era passivo, receptivo aos “comandos caninos”, enquanto o outro era austero e resistente às manhas e fofuras dos peludos.
Os cachorros precisavam levar os voluntários humanos desconhecidos em direção a três caixas (uma delas estava vazia, a segunda tinha salsichas e a terceira, muitas guloseimas “proibidas”, como doces e alimentos gordurosos).
O voluntário “passivo” oferecia todo o conteúdo para os cachorros. O “austero” ficava com o prêmio ou dava uma salsicha por vez. Depois de algumas tentativas, os cachorros passaram a transportar apenas a caixa com guloseimas para o “austero”, porque entenderam que, de uma forma ou de outra, iriam ganhar alguma recompensa.
Para o voluntário “passivo”, os cachorros se divertiam levando todas as caixas. O estudo se prolongou durante dois dias e, quanto mais os cães analisavam a personalidade dos voluntários, mais se empenhavam em levar a caixa de guloseimas ao “passivo”. No final do experimento, o “austero” era praticamente ignorado pelos cachorros.
Os cães aprenderam a manipular os voluntários em poucas horas. Quando estavam acompanhados pelo voluntário austero, gradualmente passaram a conduzi-lo para a caixa vazia, sem recompensas.
Este comportamento foi mais comum entre os que se submeteram diversas vezes seguidas ao experimento, porque eles sabiam que teriam maior probabilidade, “na próxima vez”, de obter um petisco.
Os pesquisadores observaram igualmente que os cães apresentam uma flexibilidade de comportamento impressionante: além de decidir sobre o que fazer, de acordo com o “perfil” do voluntário, eles também selecionaram preferencialmente os petiscos de que gostam mais. Os gulosos chegaram a identificar as caixas mais cheias de guloseimas.