O ideal é que o cachorro tenha um tempo para se despedir. Mas, o que fazer quando isso não é possível?
O luto faz parte da aceitação da morte. É um processo de despedida doloroso, mas necessário. Os cachorros também percebem a ausência dos tutores e, quando não é possível se despedir, eles ficam perdidos, sem saber o que fazer. Confira a seguir o que fazer para ajudar um cachorro cujo dono morreu longe do animal de estimação.
Os cachorros entendem a vida de uma maneira muito simples. Assim como as crianças, a morte só se torna concreta quando eles vivenciam o processo de perto. Mesmo assim, sempre fica no ar a pergunta: “Ok, ele morreu, mas volta quando?”. É muito difícil entender e aceitar a nossa finitude.
A superação da perda pode durar dias, meses e até anos. O luto é um quadro de dor e desconforto emocional – e algumas pessoas chegam a imaginar que os cachorros “pressentem” a morte dos seres amados.
Crenças à parte, eles não conseguem prever o futuro. Mas, como têm os sentidos mais aguçados, eles percebem cheiros e sons diferentes na casa e também conseguem identificar a preocupação e a angústia dos demais membros da família.
As regras da vida
Na vida, os filhos enterram os pais: os mais velhos morrem antes. Com os cachorros, esta é também a regra geral. Afinal, eles vivem muito menos do que os humanos, que costumam atingir 70 ou 80 anos, enquanto os peludos raramente ultrapassam os 15.
Mas, de qualquer maneira, a vida tem igualmente outra regra: a imprevisibilidade. O tutor sofre um acidente fora de casa, ou é internado por um período mais ou menos longo. Na prática, para os cachorros, isto significa simplesmente que eles não voltarão a ver o seu humano predileto.
Alguns cães se apegam igualmente a todos os membros da família – inclusive gatos e outros cachorros. A maioria, no entanto, mesmo demonstrando fidelidade e dedicação a todos, tem preferências – e quando essa “preferência” desaparece, eles ficam perdidos.
O melhor a ser feito quando um tutor está em estágio terminal, de acordo com especialistas em psicologia canina, é permitir a despedida. Uma visita rápida ao hospital ou alguns momentos diários junto ao melhor amigo que está de cama, se desligando do mundo.
A maioria dos hospitais brasileiros permite essa despedida, com a obediência aos protocolos necessários (higiene, esterilização dos ambientes, silêncio, etc.). A providência é útil também para quem está partindo, que pode encontrar algum consolo com a presença do animal.
Nem sempre, porém, isto é possível. Existem mortes repentinas, e também os casos em que não há ninguém disponível para levar o peludo ao encontro do tutor amado. Resta apenas a sensação de ausência, a tristeza e a dificuldade de entender o que realmente aconteceu.
O luto
Os humanos não são os únicos que sentem a falta e lamentam a perda de entes queridos. O luto já foi comprovado entre diversas espécies de mamíferos e aves. Os cachorros são muito sensíveis aos laços afetivos e constroem relações sólidas com os membros da família humana.
O luto canino pode ser observado através de algumas alterações do comportamento. A imensa maioria dos peludos acusa falta de interação social quando o tutor morre: eles não querem brincar, nem explorar o ambiente, nem se dedicar às tarefas mais excitantes e divertidas.
Outros sinais também são formas de demonstração do luto. Alguns cães deixam de se alimentar, demonstram desinteresse pelos passeios e brincadeiras, fazem as necessidades no local errado, podem se mostrar destrutivos ou violentos e, na esmagadora maioria dos casos, dão a entender que perderam alguma coisa importante.
É comum observar cachorros alternarem períodos de prostração – em que não querem fazer nada – com momentos de movimentação intensa. Eles percorrem os cômodos da casa, farejam a porta e o portão, observam o movimento da rua pela janela, etc. Alguns fazem tudo isso de um jeito frenético, chegando a ficar ofegantes.
O importante é garantir que o cachorro receba atenção, cuidado e afeto. Muitas vezes, a melhor maneira de demonstrar apoio a uma pessoa enlutada é apenas ficar ao lado “para o que der e vier”. Não há por que agir de modo diferente em relação a um cachorro.
Distrair o peludo com brinquedos, passeios e petiscos é uma boa estratégia para superar a perda do ente querido. Alguns animais continuam procurando os tutores perdidos pelo restante da vida, mas é possível preencher as lacunas e superar o luto.
O que fazer?
Existem muitas histórias de cachorros que permaneceram esperando os tutores – no ponto de ônibus, na entrada da estação do metrô, no portão de casa. Alguns chegam a fugir de casa para o cemitério, quando sabem, de alguma forma, que ali estão os restos da pessoa que eles continuam amando.
Atualmente, no entanto, não é tão comum que os cachorros vaguem sozinhos pelas ruas. Os muitos perigos das ruas impedem que os cachorros sejam autorizados a sair sozinhos. E, com a dinâmica das grandes cidades, os peludos também não sabem onde fica o hospital ou o cemitério.
Algumas providências podem ser tomadas para atenuar a dor e a distância. Sempre que possível, o cachorro cujo tutor morreu não deve ser transferido de residência: a casa é uma referência importante, com apelos visuais, sonoros e olfativos.
A rotina é muito importante para os cachorros: a organização das tarefas do dia permite que eles se sintam seguros e confortáveis. Por isso, se os hábitos eram brincar pela manhã antes da primeira refeição ou passear no final da tarde, essas atividades devem ser mantidas, na medida do possível.
Os parentes devem permitir que o cachorro faça o luto do seu modo: ele pode subir na poltrona predileta do tutor, ou aconchegar-se em uma peça de roupa do falecido. O peludo certamente correrá para a porta toda vez que ouvir a campainha – ou mesmo passos no corredor.
E certamente ficará desiludido por não encontrar o melhor amigo quando a porta se abre, ou quando os passos se afastam em outra direção. Isto faz parte do luto. O cachorro poderá choramingar e uivar (de acordo com as características individuais do animal), enquanto processa a separação.
Os demais membros da família também devem estar se sentindo desolados e tristes. É importante que o cachorro perceba esses sinais; por isso, lágrimas e reclamações não devem ser ocultadas. Um abraço no peludo pode inclusive tornar a distância menos dolorida.
É importante que os novos responsáveis pelo cachorro enlutado assumam a tutela e certifiquem-se de algumas necessidades básicas, cuja satisfação ajuda bastante a superar esta fase dolorosa e difícil.
• É preciso relaxar um pouco. Quando um cachorro está enlutado, ele pode intencionalmente quebrar algumas regras: ele está triste, confuso e um pouco perdido. Coisas que ele fazia para agradar o tutor falecido podem perder o sentido nos primeiros dias.
Portanto, quem toma a tarefa de cuidar do cachorro órfão deve entender que o peludo pode se mostrar arredio e arisco. Fazer as necessidades em lugares errados quase sempre é uma forma de tentar atrair a atenção, mesmo que ele se mostre desinteressado e ausente.
Nos primeiros dias, é fundamental que o cachorro tenha tempo para sentir saudade e encontrar novos meios de adaptação à realidade. Alguns comportamentos são comuns, como escavar buracos no jardim ou deitar-se sobre a roupa que acabou de ser recolhida do varal.
O cachorro não está tentando ser um “rebelde sem causa”. Ele sente a falta do tutor e não consegue compreender exatamente o que aconteceu. O peludo procura chamar a atenção da nova família, ao mesmo tempo que tenta manter distância.
Mesmo que o novo responsável seja uma pessoa conhecida, o cachorro não sabe como ele age: é uma situação totalmente nova, já que o melhor amigo não está ali para defendê-lo ou orientá-lo. Permitir alguma distância, ignorar algumas indisciplinas e permanecer à disposição são as melhores maneiras de conquistar a confiança e ajudar o superar a perda.
De qualquer modo, o cachorro está vivenciando uma situação inédita para ele. Por isso, o novo tutor deve recompensá-lo pelas atitudes corretas – pequenos gestos que o façam sentir acolhido e entender que a vida continua.
Os malfeitos devem ser considerados apenas na medida dos prejuízos que causem, sem exigir do cachorro que ele entenda todas as novas regras de um momento para outro. Em pouco tempo, com dedicação do tutor, ele assimilará as regras novas.
• O cachorro está precisa receber boas doses de afeto – quando ocorre uma morte na família, é comum que negligenciemos alguns aspectos. Certas pessoas deixam de cuidar das plantas, outras não abrem as janelas para arejar os ambientes, etc.
No caso dos peludos, é preciso dedicar afeto suficiente. Não estamos falando de atenção ou cuidados básicos, como alimentação, agasalho, segurança e higiene. Os cachorros que perderam os tutores precisam receber um cafuné, um carinho, uma palavra de apoio.
Eles não entendem a maioria do que dizemos, mas conseguem compreender a entonação, o contato visual (olho no olho) e principalmente a linguagem corporal de quem entra em contato com eles. Os cachorros precisam da sensação de pertencimento – afinal, eles são animais gregários.
Certamente, eles não substituirão o afeto do antigo tutor pelas novas amizades e gestos de aproximação, mas se sentirão acolhidos. Isto é muito importante para que os cachorros não desenvolvam atitudes destrutivas ou agressivas.
• O cachorro precisa brincar. Mesmo os cães idosos gostam de novas atividades e preencher o tempo com coisas novas pode ser uma boa forma de ocupar a mente dos peludos: enquanto eles tentam abrir uma garrafa pet para “ganhar” a ração colocada dentro, por exemplo, eles suspendem a busca pelo tutor desaparecido.
Se houver tempo e disponibilidade, os cachorros podem aprender novos truques. Caso eles precisem ser levados para outra casa, aprender as novas regras também é uma providência importante, mas recomenda-se que elas não sejam muito diferentes.
Por exemplo, se o peludo estava acostumado a dormir com o tutor, a nova regra pode ser dormir aos pés da cama ou em uma poltrona próxima, mas nunca o deixar sozinho para dormir no quintal. Assimilar outros horários de acordar, alimentar-se, passear, etc., ajuda a conformar uma nova rotina e, consequentemente, a superar o trauma.
Uma boa opção pode ser a convivência com outros cachorros. Os cães costumam se organizar em grupos sofisticados, onde são estabelecidas a hierarquia, a ordem para brincar, receber alimentos e carinhos, etc.
À primeira vista, pode parecer cruel deixar um cão enlutado ser obrigado a aceitar a submissão a outro animal, mas, nas alcateias, isso ocorre naturalmente, inclusive quando um lobo solitário é admitido no grupo.
Permitir que o cachorro conheça outros peludos e estabeleça relações de amizade é uma forma de criar novos relacionamentos, que ocuparão a mente canina. Isto ocorre inclusive nos passeios no parque, nos encontros ocasionais com outros cães. De qualquer forma, a supervisão de um humano adulto é imprescindível.
É importante lembrar, por outro lado, que alguns cachorros gostam de se isolar e não são muito sociáveis (muitas vezes, não são nem um pouco sociáveis). Nestes casos, uma socialização forçada gera apenas ainda mais estresse. Os novos responsáveis precisam conhecer a personalidade dos animais antes de propor brincadeiras com gatos e outros cães.
• Necessidade de tratamento e medicação – os cachorros são animais versáteis e extremamente adaptáveis a novas condições, mesmo quando já passaram dos sete ou oito anos de idade. Apesar de sentirem a ausência, eles não têm noção exata da perda e conseguem superá-la de forma adequada.
Alguns animais, no entanto, podem exibir comportamentos perigosos. É normal que eles recusem comida e carinho por alguns dias depois da perda – ou que se aproximem da tigela da ração apenas quando sabem que ninguém está observando.
Mas, se esses comportamentos perdurarem por muito tempo e o novo tutor perceber que não há evolução no comportamento do peludo, deve-se considerar a possibilidade de avaliação veterinária. Alguns animais podem ficar muito ansiosos e tristes – e isto pode inclusive levá-los à morte. Mas alguns medicamentos ajudam a superar esses momentos.
A visita ao veterinário é importante também para descartar outros problemas de saúde. Caso o tutor falecido tenha permanecido de cama por um período longo, é possível que o cachorro tenha sido negligenciado em função da doença. A avaliação médica garante o bem-estar e ajuda a superar os traumas.