A linguagem canina é composta por posições e sinais. Entenda como entender o seu cachorro.
Existe uma linguagem canina que permite aos tutores entenderem as vontades e necessidades dos nossos cachorros. Eles se comunicam conosco e com outros animais, mas o “ruído na comunicação” é uma limitação constante. É preciso entender o que eles “dizem” para garantir uma convivência tranquila.
Apesar dos milênios vivendo com os humanos, os cachorros ainda não encontraram meios eficientes para “falar”. Apesar de exibirem uma série de vocalizações – latidos em diversas frequências e intensidades, uivos, ganidos, etc. – eles não conseguem usar o nosso vocabulário. Para falar, eles usam o corpo.
Os cachorros conseguem compreender algumas palavras usadas por nós, mas assimilam principalmente o tom com que elas são pronunciadas. E, claro, avaliam a situação em que foram ditas. Na maior parte do tempo, porém, eles usam a linguagem corporal – que esconde algumas surpresas interessantes.
A linguagem canina
Os seres humanos são “sonoros”: a comunicação se efetiva principalmente através da fala. Isto se tornou ainda mais evidente depois que nós desenvolvemos tecnologias de informação à distância – telefones, redes sociais, etc.
Os cachorros também dominam em parte a linguagem oral, através de rosnados, grunhidos, latidos, etc. Eles conseguem demonstrar o que estão sentindo e emitir sinais de alerta. Mesmo assim, os lobos – ancestrais dos nossos peludos – são mais eficientes quando se trata de “falar” – em uma alcateia, não existem dois indivíduos com vocalizações iguais.
Na maior parte do tempo, os cachorros usam a linguagem corporal. Os peludos conseguem manifestar alegria, tristeza, dor, desconforto, ansiedade, excitação, afeto e muitas outras sensações e emoções.
As diferenças na linguagem
Em alguns casos, a comunicação é mais sutil. Em outros, ela é quase inexistente: é o caso de animais abandonados, que foram separados precocemente da mãe e dos irmãos de ninhada e, claro, dos que foram reprimidos em suas manifestações.
Algumas raças caninas são mais falantes, outras são silenciosas. O beagle, desenvolvido para a caça em grandes matilhas, é muito sonoro – barulhento, mesmo. Já o weimaraner, um caçador solitário de ursos e lobos, ganhou o apelido de fantasma cinza, graças ao silêncio.
Os boiadeiros e pastores tendem a ser mais quietos, mesmo porque os ancestrais passavam boa parte do tempo apenas na companhia de vacas e ovelhas. Para eles, não adiantava expressar-se (oralmente ou através de gestos), já que os rebanhos não poderiam entender – e eles não estavam interessados em “conversar” com predadores.
Alguns caçadores são muito silenciosos. Os pointers (que apontam a presa, isto é, indicam o caminho que ela seguiu) são quietos e econômicos nos movimentos. Os cockers são agitados e barulhentos, mas também economizam nos gestos até que a caça esteja à mão.
Exemplos de sinais
Apresentamos a seguir alguns sinais emitidos pela maioria dos cachorros – dos pequenos chihuahuas aos gigantescos dogues alemães. Mesmo considerando a grande variedade de raças, todos eles pertencem à mesma espécie (Canis lupus familiaris) e, por isso, exibem diversas características em comum.
Os sinais emitidos pelos cachorros – a linguagem canina – devem ser entendidos no contexto, na conjuntura. Farejar e bocejar possuem significados específicos, mas também são exibidos quando o cachorro está identificando uma pista ou despertando de uma soneca.
01. Bocejar
O bocejo quase sempre demonstra desconforto. É como se o cachorro estivesse dizendo que preferiria não vivenciar uma situação ou outra. O peludo também pode estar tentando entender o que está acontecendo ao redor, antes de decidir o que fazer.
Em um confronto entre cachorros, por exemplo, um deles (ou até mesmo os dois) pode bocejar para se acalmar e indicar que não quer brigar. O bocejo também se apresenta quando o cachorro leva uma bronca.
Esta situação é muito frequente quando o cachorro não consegue entender o que fez de errado, seja porque já passou algum tempo desde a “transgressão”, seja porque ele acha que está certo. Por exemplo, ele pode ter arranhado uma porta pela manhã, e já se passaram horas desde então.
É muito comum encontrar tutores que entendem a atitude do cachorro como um desafio, como se eles estivessem dizendo: “Não estou nem aí para a sua opinião”. Na verdade, porém, eles estão tentando se situar, tentando compreender a situação.
02. Contato visual
Na natureza, o “olho no olho” equivale a um convite para brigar. Trata-se de um verdadeiro desafio. Por isso, a maioria dos cachorros não adota esta posição em casa, mas podem cravar os olhos em um oponente que eles entendam poder ferir os tutores.
Nos raros casos em que os cachorros enfrentam os tutores “olho no olho”, eles estão claramente desafiando a posição de autoridade. Muito provavelmente, eles não enxergam no tutor alguém dotado de carisma e força suficientes para liderar o bando (que, em alguns casos, pode ser formado apenas pelos dois).
Os cães tendem a ser submissos. Mesmo os mais territorialistas costumam identificar no tutor o “alfa da matilha” e colocar os demais membros humanos da família em algum lugar superior, na hierarquia do bando.
A imensa maioria dos cães gosta disso. A submissão significa que outro ser é o responsável pelo abrigo, alimento e segurança do grupo. Quando o cachorro não identifica a liderança do tutor, ele passa a desrespeitá-lo (olhando fixamente), chamando-o para briga.
É quase certo que o tutor não tenha conseguido educar o cachorro. Talvez por excesso de afeto, talvez por se sentir culpado em deixar o peludo sozinho o dia inteiro, muitos humanos cumulam os cães com agrados e mimos – tão exagerados que os próprios agraciados entendem que alguma coisa está errada.
Isto não significa que eles queiram mudar a situação. Está tudo muito tranquilo para eles: conseguem segurança, abrigo, carinho e alimento e ainda podem “posar de chefes”. O esforço de reeducação é sempre mais árduo do que o treinamento básico.
O olhar fixo, mais recentemente, ganhou uma nova conotação. Quando um cachorro olha fixamente, durante vários instantes, para um desconhecido – potencialmente, um adversário –, mas abre e fecha os olhos enquanto observa, ele está dizendo simplesmente que não quer um confronto.
As piscadelas reiteradas foram observadas inicialmente em cães de companhia, mas estão disseminadas há cerca de um século entre animais de todas as raças. Trata-se de uma inovação do comportamento canino.
03. Olhos quase fechados
Os olhos semicerrados são uma estratégia usada pelos cães há milênios. Por um motivo ainda não conhecido, os humanos tendem a encarar os olhos muito grandes como uma ameaça. Especialmente os olhos esbugalhados são características de grandes predadores.
Para atenuar o impacto dos olhos grandes, os cachorros aprenderam a semicerrar as pálpebras. Com isso, eles reduzem consideravelmente a impressão de voracidade e agressividade que possam eventualmente causar em estranhos.
Este é um bom exemplo da linguagem corporal na comunicação entre espécies. Considerando exclusivamente o universo canino, os olhos grandes, entendidos como graves ameaças, são uma vantagem competitiva. No relacionamento com os humanos é que eles aprenderam a atenuar a fisionomia.
Ao lado dos primatas, os cachorros são os animais com maior capacidade de alterar a fisionomia através de pequenos gestos: levar as orelhas para trás, franzir a testa, elevar apenas uma orelha, são estratégias para as “conversas” dos cachorros. Elas são usadas tanto nos contatos com humanos, quanto nas interações com outros animais domésticos.
04. Desvio dos olhos
Também indica desconforto e pode vir acompanhado de diversos outros movimentos: girar a cabeça, afastar as orelhas para trás e alternar rápidos olhares fixos com desvios. É um gesto comum quando outro cachorro se aproxima.
O peludo também pode emitir este sinal quando uma criança tenta agarrá-lo. Alguns cachorros são extremamente cautelosos com bebês e crianças pequenas e sabem que não devem feri-las, mas nem por isso deixam de expressar que não estão gostando nem um pouco da situação.
O desvio dos olhos também pode ser identificado entre os pequenos, quando alguém os levanta no ar para levá-los ao colo. Apesar de ser um gesto de carinho, ele é interpretado pelos cachorros como uma agressão.
A situação é fácil de entender. Basta se colocar na posição do cãozinho. Qualquer pessoa se sentiria insegura se fosse arrebatada e içada a alguns metros de altura, para em seguida ser apertada. Para os filhotes, esta é uma verdadeira cena de terror.
As orelhas voltadas para trás também são assim apresentadas quando o cachorro quer amenizar alguma situação. É um verdadeiro gesto de trégua, uma bandeira branca. A posição pode ser assumida depois de uma travessura.
No caso de cachorros com histórico de repressões. Eles estão tão acostumados a ser tolhidos em seus gestos que, na presença do agressor (a pessoa que eles entendem ser a repressora), automaticamente puxam as orelhas para trás. Eles estão dizendo antecipadamente: “Eu não fiz nada de errado”.
05. Abanar a cauda
Este é um sinal de alegria e excitação bastante conhecido pelos tutores. Os cachorros balançam o rabo quando os amigos humanos voltam para casa, quando estão brincando ou participando de alguma atividade prazerosa qualquer.
Mas abanar a cauda não significa apenas alegria. Quando o cão se aproxima abanando o rabo, mas com o lombo e as ancas arqueados, ele está demonstrando medo. Em algumas situações, pode até mesmo perder o controle do esfíncter e urinar durante a interação.
Muitos cães, especialmente os que são dotados de caudas mais longas (elas têm entre cinco e 20 vértebras, e esses ossos são proporcionais ao esqueleto de cada cachorro), abanam a cauda em sinal de violência.
Os cachorros que portam a cauda dobrada sobre o dorso quase sempre mostram estar prontos para o ataque quando abanam o rabo. Na alegria, a cauda fica abaixo da linha superior do tronco; na beligerância, ela é portada alta.
06. Girar o corpo
Originalmente, esta é uma técnica para recuperar o equilíbrio corporal, depois de algum movimento em falso: os cachorros dobram o tronco, desaceleram e se estabilizam novamente. Em casa, isto pode ser observado nas brincadeiras mais intensas.
Dar as costas ao oponente – mesmo em uma simulação de luta, uma simples brincadeira – é sempre uma forma de abrandar os ânimos. O gesto significa apaziguamento e, se o cachorro deitar-se logo em seguida, ele está indicando que perdeu a briga.
Diferentemente dos humanos, os cachorros não se sentem humilhados quando perdem um confronto. Dois seres, em condições quase iguais, disputaram por algum motivo e um deles ganhou. A briga, para eles, termina aí. Cachorros não alimentam vergonhas, amor próprio ferido, rancores e ódios.
Girar o corpo e dar as costas pode significar que o tutor está certo. O cachorro está admitindo que fez alguma coisa errada e comprometendo-se – enquanto a memória ajudar – a não repetir a atitude contestada ou reprovada.
Mais uma vez, a linguagem corporal canina pode ser mal entendida. A atitude pode ser interpretada como insubmissão, já que o animal dá as costas para o tutor. Mas é importante entender que ele está pedindo desculpas sinceras.
07. Lamber o focinho
O gesto pode ter vários significados. O mais comum é simplesmente limpar o focinho, eliminando secreções. Isto pode parecer nojento para os humanos, mas vale lembrar que o muco nasal é rico em diversos nutrientes.
Quando o cachorro está excitado, lamber o focinho significa que ele está feliz e satisfeito com a situação que está vivenciando – uma brincadeira, um objeto novo para explorar, etc. O hábito também “limpa” o olfato, eliminando impurezas e permitindo farejar com mais segurança.
Quando o cachorro identifica um alerta pelo olfato, ele tende a limpar o focinho várias vezes, para confirmar a informação recebida e obter mais detalhes. A rapidez nas lambidas pode indicar que o alerta traz um perigo em potencial.
Como já foi dito, tudo depende das circunstâncias. Os cachorros podem lamber o focinho simplesmente para limpá-lo. Nos dias mais frios, a entrada do ar atmosférico nas narinas aumenta a umidade na pele, que precisa ser limpa com mais regularidade. Em locais poeirentos, a situação se repete.
08. Farejar e rodear
O olfato é o sentido mais empregado pelos cães no contato com o ambiente que os cerca. No focinho canino, o número de receptores de olfato é 25 vezes maior do que entre os humanos. Eles cheiram tudo e é assim que eles descobrem o mundo.
Os cachorros estão sempre tentando decodificar o espaço em que estão transitando. Mesmo em ambientes bastante conhecidos, as informações olfativas estão em constante mudança. Um cachorro passando na rua em frente, uma fêmea no cio há 1 km de distância, um gato bisbilhotando o quintal, o churrasco do vizinho, tudo muda a percepção canina.
Quando os cães levantam a cabeça e começam a farejar o ambiente, eles estão querendo dizer que alguma coisa está diferente. A relação deles com os humanos envolve total confiança e, com a postura, eles estão compartilhando a informação.
Eles podem estar sentindo um aumento da umidade relativa do ar – isto pode significar a aproximação de uma tempestade e, portanto, precisamos encontrar um esconderijo seco para todo o grupo.
Cabe aos tutores tranquilizarem os peludos, demonstrando que está tudo bem, que todos estão seguros. Enquanto os cachorros não receberem esta informação, eles continuarão emitindo sinais. Os cachorros precisam saber que a chuva e o vento não conseguirão derrubar o nosso “covil”.