Este é um problema hormonal que gera transtornos físicos. Entenda a gravidez psicológica em cadelas.
Também chamada de pseudociese, a gravidez psicológica das cadelas é um transtorno que combina mudanças comportamentais bruscas e alguns sinais clínicos, tais como o aumento do abdômen e inchaço das tetas (com produção de leite).
Alguns estudos realizados nos EUA indicam que até metade das fêmeas adultas apresentam um quadro de gravidez psicológica durante a vida sexual ativa. Apesar da maioria dos sintomas serem bastante sensíveis, algumas pets são assintomáticas.
Alguns especialistas afirmam que certas raças apresentam predisposição genética para a pseudociese. Entre elas, o transtorno é comum entre yorkshire terriers, terriers brasileiros (fox paulistinha) e pinscher miniatura. As fêmeas que adotam filhotes de outras cadelas (ou mesmo de gatas) apresentam maior probabilidade de desenvolver a gravidez psicológica.
As fêmeas nesta condição começam a preparar o ninho para receber a ninhada e podem se mostrar ariscas, desconfiadas, com pouco ânimo para interagir com a família humana. Caso haja outros pets na casa, as cadelas tentam evitar contato a todo custo e podem se revelar agressivas.
É comum observar algumas pessoas que acham engraçado ver uma cachorrinha que não teve contato sexual exibir sintomas de gravidez e mesmo preparar o ambiente para a chegada dos filhotes. Em alguns momentos, elas podem chegar a agir como mães de brinquedos ou mesmo de travesseiros.
A situação, no entanto, não é nada divertida. A gravidez psicológica das cadelas pode causar piometra (infecção uterina também comum no período do cio), mastite (inflamação das mamas), além de dores e desconforto no ventre, nos genitais e nas tetas. Por isso, aos primeiros sinais do problema, um veterinário precisa ser consultado.
O ciclo reprodutivo
A gravidez psicológica das cadelas é resultante de alterações hormonais desencadeadas durante o cio. Os ciclos sexuais e reprodutivos das cachorras, assim como nos demais mamíferos, estão relacionados à elevação da produção de alguns hormônios, como o estrogênio e a progesterona, os hormônios sexuais femininos.
O cio é um período natural nas cadelas não castradas. O primeiro período ocorre entre seis meses e um ano de vida (as cadelas de porte grande e de raça demoram mais tempo para amadurecer sexualmente, o que pode acontecer apenas depois de completarem dois anos).
Com duração de seis a dez dias, o cio ocorre a cada seis meses. É o período em que os ovários liberam óvulos para a concepção. Em alguns casos, é possível observar o sangramento decorrente da eliminação de óvulos não aproveitados (juntamente com o endométrio), mas, como os cachorros têm o hábito de lamber os órgãos sexuais, este sinal pode passar despercebido pelos tutores.
Fêmeas em contato com machos podem engravidar em qualquer momento do cio. Desta forma, elas podem exibir sangramentos que indicam a menstruação, mas continuam férteis por mais alguns dias, porque os ovários continuam liberando óvulos férteis.
O cio é formado pelas seguintes fases:
• proestro – a vulva se mostra inflamada ou irritada, com secreção sanguinolenta, mas a cadela ainda não entrou no período fértil (os óvulos já começam a ser liberados, mas ainda não estão maduros para a concepção). Ela dificilmente aceita a cobertura de um macho. Dura de três a sete dias;
• estro – é a fase fértil. Os ovários da cadela permanecerão liberando óvulos, que ficam maturando nas tubas uterinas. As cadelas se mostram mais afetuosas, mas também mais inquietas. A fase pode durar até três semanas. Um sinal fácil de identificar é o aumento do volume de urina, que é liberada em micções curtas – é uma forma de atrair os machos;
• diestro – pode durar até três meses e os sinais variam – pode ter havido ou não a concepção (caso tenha ocorrido, o diestro se encerra apenas com o parto). A cadela passa a comer mais e retoma o comportamento característico. Caso haja um cachorro macho em casa, ele brincará normalmente com ele, mas não aceitará o contato sexual.
O anestro, que pode durar 100 dias, ocorre apenas com as cadelas que engravidaram. Depois do parto (ou eventualmente no aborto), durante a amamentação, a produção de estrogênio e progesterona é interrompida, para dar lugar à produção de ocitocina, que estimula a lactação. Não há sinais de interesse sexual.
Na verdade, o contato sexual só pode ocorrer durante o estro, quando as fêmeas liberam feromônios para atrair os machos. Cadelas não castradas podem tentar fugir e os machos da vizinhança certamente tentarão invadir a casa; se for um apartamento, machos e fêmeas ficarão angustiados, porque percebem pelo olfato a oportunidade de coito, mas não têm como concretizá-la.
Todos os cães castrados (machos e fêmeas), obviamente, deixam de se sentir estimulados durante o cio das cadelas. Eles simplesmente não percebem os estímulos sexuais. Por isso, se você não pretende fazer uma criação de cães, castre os pets logo depois de completar as vacinas iniciais.
A gravidez psicológica
Todos os mamíferos apresentam fases alternadas, desde a ovulação até o descarte dos óvulos não aproveitados (ou até a concepção). As cadelas são poliéstricas sem estímulo, ao contrário das gatas, por exemplo, que podem ter o cio induzido pela presença de machos, de outras fêmeas férteis ou mesmo do ato sexual.
O ciclo das cadelas é regular – no total, dura cerca de seis meses. Alterações nesta duração (quando a cadela entra mais de duas vezes no cio no mesmo semestre, por exemplo) exigem avaliação do veterinário.
Durante o estro, muitas alterações hormonais são induzidas no organismo das cadelas. Fêmeas em idade fértil, mesmo que não sejam sexualmente ativas, passam meses preparando-se para conceber e gerar uma ninhada. Os hormônios estimulam a liberação e maturação dos óvulos e, quando a produção diminui, provocam a menstruação para eliminar as células sexuais que não foram aproveitadas.
Algumas fêmeas mais sensíveis, no entanto, não atingem o anestro. O diestro se prolonga, como se elas estivessem grávidas, mesmo sem contato sexual. Os sintomas da gravidez psicológica nas cadelas são muito parecidos com os de uma gestação real:
- aumento das glândulas mamárias (as cadelas apresentam cinco pares ventrais);
- produção de leite (que pode escorrer no abdômen em alguns casos);
- sensibilidade ao toque no abdômen;
- aumento do volume abdominal;
- redução da inflamação da vulva.
Além disso, as cadelas que desenvolvem gravidez psicológica começam a se preparar para as novas funções: escolhem um local para abrigar a ninhada, tornam-se mais ariscas e agressivas e podem adotar brinquedos e objetos como filhos. Falta de apetite e depressão, facilmente perceptível, também podem ser observadas.
A produção desnecessária de leite pode causar inflamação nas glândulas mamárias. Um sinal de alerta são as lambidas constantes no abdômen e a forte sensibilidade na região. Os sinais da gravidez psicológica em cadelas acompanham a produção hormonal desordenada e podem se manifestar por até três semanas.
Entendendo o problema
Cadelas não sentem necessidades de serem mães. Este é um processo cultural que afeta muitas mulheres de todos os tempos, mas as demais fêmeas dos mamíferos não precisam engravidar e partir para se sentirem completas.
A gravidez psicológica das cadelas tem base em alterações orgânicas, puramente hormonais. Especialmente quando os níveis de progesterona não caem e se estabilizam para proporcionar a fase do anestro, as cadelas podem sofrer com o transtorno.
O desequilíbrio hormonal provoca uma espécie de tensão pré-menstrual nas cadelas, o que ajuda a explicar as alterações comportamentais por que elas passam (maior agressividade, recusa ao contato, etc.). Na estrutura orgânica, as mudanças são necessárias para uma provável geração de prole.
Mesmo assim, ainda não há consenso entre os cientistas sobre os motivos reais da gravidez psicológica nas cadelas. Quando viviam na natureza (isto acontece ainda hoje com os lobos, ancestrais dos cães – ou a mesma espécie, apenas selvagem), as cadelas que sofriam o transtorno podiam ajudar no aleitamento dos filhotes de outras fêmeas, especialmente a líder da alcateia.
Atualmente, este comportamento atávico é desnecessário e prejudicial, mas alguns milhares de anos da domesticação não foram suficientes para eliminá-lo totalmente. Uma cadela com gravidez psicológica pode desenvolver sérias doenças e, por isso, o problema não pode ser negligenciado.
Diagnóstico e tratamento
Para confirmar a gravidez psicológica das cadelas, o veterinário se vale da análise clínica, palpação do abdômen, histórico da paciente informado pelos tutores e, se necessários, exames de imagens para confirmar a ausência de fetos. Apenas o especialista pode confirmar o transtorno.
Ao suspeitar da gravidez psicológica, os tutores precisam levar a cadela ao veterinário com urgência. O problema, se não for tratado adequadamente, pode evoluir para doenças muito graves nas mamas e no sistema reprodutor (vulva, canal vaginal, útero e ovários).
As terapias mais comuns são os medicamentos para regulação hormonal e supressão da produção de leite. As cadelas podem necessitar de compressas em todo o abdômen, para aliviar as dores e desconfortos. Os tutores também precisam de uma boa dose de paciência para contornar a agressividade, o estresse e, eventualmente, a depressão.
Os riscos da gravidez psicológica
O desequilíbrio hormonal responsável pela gravidez psicológica das cadelas também é um elemento crucial para o surgimento de diversas doenças. As cachorras podem desenvolver diversos tipos de câncer (mama, útero, ovário, vulva; a pseudociese também está associada a linfomas e a tumores de pele).
Além das neoplasias, cadelas que passam por este transtorno são mais suscetíveis as seguintes doenças:
• endometriose – é o crescimento anormal do revestimento interno do útero. Em todos os estros, as cadelas desenvolve este revestimento – o endométrio – e, caso não ocorra a concepção, elimina o tecido juntamente com os óvulos não fecundados. Em casos de endometriose, o revestimento se espalha pelos ovários, tubas uterinas e canal vaginal. A doença pode ser aguda ou crônica, facilitando a instalação de infecções no trato reprodutor;
• piometra – é a afecção uterina mais comum entre as cadelas em idade sexual fértil. A doença, que não é contagiosa, é devida a uma combinação de fatores: alterações no endométrio, aumento da progesterona depois do cio e infecções bacterianas oportunistas. A maioria das cadelas apresenta secreção vaginal purulenta e sanguinolenta – é o sinal de piometra aberta, em que o colo do útero, depois do cio, ainda está aberto. As pets podem apresentar febre, falta de apetite, letargia, aumento da micção e sede excessiva. Sem tratamento, o quadro pode evoluir para sepse, toxemia, peritonite e insuficiência renal;
• mastite – é uma infecção bacteriana das glândulas mamárias, que afeta cadelas durante a gravidez (inclusive psicológica). Ela prejudica o tecido das tetas e a composição do leite e pode afetar os filhotes, caso haja aleitamento. As bactérias oportunistas se multiplicam justamente porque as tetas ficam mais úmidas e até mesmo feridas, em função das lambidas e mordiscadas. Se a cachorra não receber tratamento adequado, pode morrer em poucos meses.
Prevenir é melhor do que remediar
A prevenção da gravidez psicológica das cadelas, contudo, é o melhor caminho a ser tomado. Caso os tutores da cachorra não pretendam dar início a uma criação de cães, a castração é a melhor escolha, sem nenhum efeito colateral, seja físico, seja emocional.
A maioria dos especialistas recomenda que o procedimento seja realizado entre seis e oito meses de vida, quando a cadela já tomou as primeiras doses das vacinas e os reforços e já substituiu os dentes de leite. Os animais de grande porte, porém, precisam esperar um pouco mais.
O procedimento impede a gestação indesejada (não é possível deixar a cadela entrar no cio e depois reclamar que ela cruzou com o cão do vizinho, ou com um cachorro de rua) e reduz a produção dos hormônios sexuais, cujo excesso é responsável pela gravidez psicológica,
Além de evitar filhotes indesejados, a castração previne uma série de doenças no trato reprodutor e evita muitas brigas, invasões de quintais e fugas. O procedimento pode ser adotado para cadelas que já sofreram uma pseudociese, para as que já são mães e para as que nunca engravidaram.