Um estudo publicado em abril de 2024, na revista americana “Anthrozoos”, especializada em artigos sobre a interação entre humanos e pets em diversas áreas – medicina, psicologia, antropologia, etc. – revela que os contatos paranormais com cães já falecidos pode ser benéficos para os tutores superarem o luto.
A autora é Jennifer Golbeck, uma cientista da computação que também é mestre em psicologia pela Universidade Harvard. Golbeck é professora da Universidade de Maryland, em College Park (cidade próxima a Washington, capital dos EUA, no nordeste do país).
Uma primeira visão
A professora e o marido, Ingo Burghardt, resgatam cães idosos – na maioria, golden retrievers abandonados desde 2017. O casal já teve de lidar com a morte de vários cachorros – no total, 12 “velhinhos” se despediram da vida ao lado dos pais adotivos.
Em 2023, no entanto, Golbeck sofreu uma perda que lhe pareceu mais dolorida. Ela tinha adotado recentemente mais um golden retriever, Riley, que recebeu o diagnóstico de mal de Lyme (borreliose canina), uma zoonose transmitida pela picada de carrapatos. Riley desenvolveu insuficiência real e teve de e submeter a uma eutanásia nove meses depois da adoção.
Ele tinha sete anos – um “cachorro jovem”, para os padrões da residência Golbeck-Burghardt. Alguns dias depois, a professora “viu” Riley deitado tranquilamente na sua cama, na sala de estar. A imagem durou poucos segundos, mas deixou Golbeck intrigada. Em tempo: ela não acredita em fantasmas, espíritos, fenômenos paranormais e sobrenaturais, etc.
O estudo
Mesmo assim, Golbeck se sentiu reconfortada com o contato. Na visão, Riley estava aconchegado em sua caminha, “enrolado como um croissant”, nas palavras da tutora. Ela mantém contas nas redes sociais, em que partilha experiências com os muitos cães com quem já conviveu.
Na Universidade de Maryland, a professora dá aulas sobre relacionamentos digitais, aprofundando-se nas causas da radicalização observada nas redes sociais nos últimos anos. Ao postar a história de Riley, ela mesma recebeu comentários agressivos – “é só um cachorro”, “depois você arranja outro”, etc.
Depois da visão, que a ciência explica como alucinação, provocada por memórias reiteradas, intensas e vívidas, Riley pediu a seus contatos no Instagram e no X (antigo Twitter) que relatassem experiências semelhantes com cães falecidos.
No total, Golbeck recebeu 544 respostas, que foram classificadas em dois temas:
- experiências físicas ou sensoriais – ouvir, ver e tocar o cachorro fantasma;
- experiências simbólicas ou interpretativas – sonhos, sinais na natureza e sensações/ fenômenos atribuídos aos espíritos.
A experiência sensorial mais frequente (37% das respostas) envolveu a audição: ouvir o cachorro latindo ou o barulho das garras batendo no chão, por exemplo. Quase metade (44,4%) ocorreu à noite. 45 tutores relataram ter sentido o cachorro falecido dormindo na cama ao lado deles.
As experiências interpretadas mais comuns foram as visitas em sonhos e as atividades paranormais (15% dos relatos para cada atividade). São relatos sobre ver objetos se movimentando e observar outro animal de estimação exibindo formas de agir semelhantes às do cachorro falecido.
Um aspecto muito importante do levantamento é que a imensa maioria dos tutores (74,6%) relatou ter se envolvido em sentimentos positivos, trazendo sensações de conforto, segurança e proteção. Este fato é digno de nota porque, nos EUA, experiências paranormais com fantasmas quase sempre estão associadas a aspectos negativos, como ameaças, ataques, etc.
As conclusões
O luto é o período seguinte a uma perda significativa – de um parente ou amigo próximo. As reações são individuais e podem se dissipar em poucos dias, mas também apenas depois de muitos anos. A perda, que é sempre proporcional ao apego ao objeto perdido, envolve sentimentos diferentes, como raiva, medo, hostilidade, isolamento, agitação, etc.
Muitos médicos e psicólogos concordam com a teoria do luto da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, apresentada no livro “On Death and Dying”, publicado em 1969. De acordo com a especialista, o luto se desenvolve em cinco etapas:
- negação – a incapacidade inicial de aceitar a morte como fato consumado;
- raiva – atribuição da morte a outros fatores e pessoas, a entes divinos arbitrários ou francamente ruins, etc.;
- barganha – uma pretensa tentativa de negociar para reverter a morte;
- depressão – a tristeza e o desânimo provocado pela ausência, a solidão, etc.;
- aceitação – o retorno ao ritmo normal da vida, mesmo com lembranças de tempos em tempos.
Nenhuma dessas reações é necessariamente negativa. O luto se torna patológico apenas quando impede as atividades cotidianas ou coloca em risco a saúde e a integridade dos sobreviventes.
O luto por cães e outros animais de estimação falecidos é um fenômeno relativamente recente: até cerca de 200 anos atrás, os pets eram criados para desenvolver atividades específicas: caçar, proteger pessoas e propriedades, afastar predadores, etc.
Os cães de companhia se tornaram populares no início do século 19 e atualmente eles fazem parte da família: quem vive com um cachorro ou gato tende a encará-lo como um filho de quatro patas, reagindo inclusive organicamente na presença do animal e até mesmo na mera lembrança dele.
Mesmo assim – o estudo de Jennifer Golbeck comprova isso –, a proximidade entre cães e tutores ainda não é aceita por muitas pessoas. O amor é até mesmo classificado como “frescura”. Por isso, o luto provocado pela morte de um cachorro não é bem avaliado.
Isto faz com que quase todas as pessoas enlutadas pela ausência de um pet escondam a tristeza que estão sentindo, como forma de autopreservação: se ninguém testemunhar o sofrimento, não haverá críticas nem reações negativas.
As experiências paranormais, desta forma, são uma forma de evocar a presença do animal falecido e até comentar sobre isso com amigos e parentes, em conversas casuais. Desta maneira, ver cachorros fantasmas é uma forma quase inconsciente de trabalhar a dor da perda.
Naturalmente, não importa quais sejam as crenças da pessoa enlutada. Quem perde um cachorro pode interpretar a visão como alucinação – que só é patológica quando muito intensa e prolongada – ou como uma visita do velho amigo, que desceu do céu dos cachorros para visitar e confortar os seus humanos prediletos. O importante é que a experiência paranormal alivia a tristeza e ajuda a superar a solidão.