Os melhores amigos do homem sabem coisas incríveis sobre nós. Confira algumas delas.
Ainda há muito por desvendar e aprender sobre os cachorros, apesar dos milênios de convivência com os humanos. Eles são animais incríveis e sabem muito sobre nós, apesar de ainda não termos desvendado alguns dos seus segredos.
Por exemplo: na Inglaterra, cães farejadores foram treinados para detectar, através do cheiro, diversas doenças, como malária, câncer de próstata e os primeiros sinais do mal de Parkinson. Mais recentemente, em maio de 2020, alguns animais foram treinados para identificar a presença do SarsCoV-2, o vírus causador da Covid-19.
Sem que um treinamento específicos seja possível, porque ainda não compreendemos os mecanismos de detecção, alguns cães conseguem identificar os sinais precursores de crises de epilepsia e também traços de hiperglicemia em diabéticos.
Com mais frequência, no nosso dia a dia, os peludos dão sinais de que sabem muito a respeito dos humanos. Eles conseguem, entre outras coisas, descobrir o estado de ânimo dos tutores, percebem quando estamos prestando atenção e rebelam-se contra tratamentos desiguais. A ciência começa a entender os motivos.
01. O estado de espírito
Cães são seres sencientes. Eles percebem o universo que os rodeia através dos sentidos e reagem com sentimentos – medo, raiva, alegria, amor – aos estímulos recebidos. Eles conseguem descobrir o nosso estado de ânimo e as pequenas variações de humor que exibimos durante o dia.
Para a maioria dos tutores, isso parece óbvio, sem necessidade de testes para comprovação. Os pesquisadores, no entanto, tentam entender os mecanismos que permitem aos cães descobrirem como estamos nos sentindo e adaptar-se de acordo com as situações apresentadas.
Um estudo de 2018 da Universidade de Debrecen (Hungria) constatou que os cachorros, ao ouvirem choro e risadas humanos, descobrir as emoções que definem essas sensações. Mais que isso, a pesquisa indica que os peludos sabem como estamos nos sentindo apenas observando o nosso semblante.
Os cães conseguem descobrir nosso estado de espírito através de cheiros e da observação. Eles reagem a esses sentimentos de forma solidária: se estamos tristes, os cães tentam nos alegrar ou simplesmente ficam ao lado. E, claro, quando sabem que estamos alegres, eles querem participar da festa.
Assim como os humanos e outros mamíferos, os cães também produzem ocitocina, conhecido como “hormônio do amor”. Este neurotransmissor está relacionado, entre outras coisas, à produção de leite logo depois do trabalho de parto.
Os elos entre humanos e cachorros são muito fortes, e isso talvez explique a capacidade de empatia dos peludos. O que se sabe ao certo, por enquanto, é que eles produzem grandes quantidades de ocitocina quando estão perto dos tutores; alguns secretam o hormônio apenas ao ouvir a voz ou ver imagens dos membros da família com que eles se identificam.
02. Conversando com o olhar
Os cachorros têm a capacidade de conversar com o olhar. Um diálogo tête-à-tête é o suficiente para eles entenderem como estamos nos sentindo e o que queremos. Os peludos até conseguem entender o significado de algumas dezenas ou centenas de palavras, mas o mais importante, para eles, é a intenção. Eles também conseguem situar-se em determinada condição através da linguagem corporal e da tonalidade que empregamos na fala (volume, intensidade, velocidade, etc.).
Uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo, publicada em 2016, comprovou a interação com o olhar e as tentativas de se livrar da conversa apenas desviando os olhos. O mesmo estudo sugere que os cães conseguem identificar o nível de atenção que damos a determinada atividade.
A pesquisa foi feita com 22 duplas de cachorros e tutores. Nos experimentos, o cão era apresentado para uma comida apetitosa, mas precisaria de ajuda do tutor para ter acesso a ela. Apesar da crença nos contatos caninos através de latidos, nenhum dos 22 animais latiu para chamar a atenção.
Os tutores foram instruídos a reagir de formas diversas: aceitar o contato visual, fechar os olhos, olhar fixamente para a porta, voltar os olhos para o teto ou para baixo, simulando ler um livro.
O contato mais frequente dos cachorros foi olhar fixamente para o tutor, para o prato de comida e continuar alternando olhares, buscando fazer o tutor olhar finalmente para o “objeto de desejo”.
A pesquisa constatou que os cachorros tentavam se comunicar por menos tempo quando os tutores estavam vagando o olhar, do que quando davam atenção aos “pedidos”. A conclusão é que os peludos sabem quando estamos atentos a eles. Quando estamos distraídos, eles perdem menos tempo e tentam obter o que querem por outros meios.
03. Senso de justiça
Sabe-se que, além do homem, outros primatas também apresentam forte senso de justiça. Se nós e eles agimos de forma solidária ou se reproduzimos as situações de desigualdade, é outra questão, mas já entendemos, há centenas de milênios, a dor que a injustiça causa.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Viena (Áustria) descobriram que cães e lobos apresentam o mesmo senso de justiça e reagem a eles. Vale lembrar que cachorros e lobos são espécies muito próximas: para alguns biólogos, os cães são apenas uma variedade da espécie que permaneceu selvagem.
Para verificar a reação frente a situações de desigualdade, os cientistas treinaram cães e lobos para apertarem um botão. Se a tarefa fosse bem-sucedida, uma porção de alimento era oferecida pelo treinador para os animais.
Depois de adestrados, os animais foram colocados em duplas frente ao treinador. Os dois peludos conseguiam enxergar o colega de experimento e também a recompensa na mão do humano presente.
Havia dois tipos de alimentos: ração e carne processada para cães. Os animais do experimento provaram as duas recompensas e perceberam que a carne era mais saborosa: tornou-se a recompensa preferida pelos animais.
Na etapa com as duplas, no entanto, depois de os animais apertarem o botão, conforme tinham sido adestrados, apenas um deles ganhava o petisco. Em outra situação, os dois eram recompensados, mas um ganhava carne e o outro, ração.
Os animais do estudo simplesmente pararam de participar. Eles se sentiram incomodados, injustiçados e recusaram-se a continuar apertando o botão – inclusive os que tinham recebido a recompensa mais cobiçada.
Constatou-se que desistência foi mais rápida entre os lobos. Os cientistas explicaram que os cães permanecem na atividade por mais tempo porque, há milênios, eles trabalham colaborando com os humanos.
Para os lobos, somos apenas mais uma espécie da natureza – e eles não parecem interessados em interagir quando as injustiças se acumulam. Aparentemente, os cães tentaram dar “mais uma chance” para o humano do experimento, mas, ao verem que a situação se repetia, pararam de participar.
Alguns fatos interessantes deste estudo:
• os lobos alfa (animais dominantes do grupo) desistiram com mais rapidez do experimento. Eles não estão acostumados a não receber alimentos, nem a receber algo de qualidade considerada inferior, e ficaram frustrados mais rapidamente com a injustiça;
• quando os animais participavam sozinhos do experimento, eles continuavam apertando o botão, mesmo quando não recebiam a recompensa. Isso mostra que a recusa não se baseava apenas na falta de resultados, mas na constatação de resultados desiguais;
• depois do experimento, o treinador circulou entre os animais. Os lobos, em geral, ignoraram a presença humana, mas os cachorros – mesmo os que não receberam recompensas – se aproximaram. Isto significa que a domesticação atenua a sensação de injustiça.
04. Serviço de enfermagem
Os cachorros sabem quando estamos doentes. Além de terem a capacidade inata de detectar algumas doenças, eles percebem quando estamos indispostos, com alguma dor ou desconforto. Mesmo filhotes mudam o comportamento ao perceberem que os tutores estão enfermos.
Qualquer pessoa que tenha convivido com cachorros sabem que eles se desdobram quando algum membro da família está doente. Os peludos mudam a rotina para permanecer ao pé do “paciente”: ficam deitados no pé da cama (ao lado ou do lado de fora do quarto), mostram-se ansiosos e reduzem o ritmo e intensidade das brincadeiras.
Há explicações científicas para essas mudanças de conduta. Os cachorros se especializaram em perceber alterações no comportamento dos humanos. Além disso, o faro extremamente apurado – os cães possuem 300 milhões de receptores olfativos no nariz, contra apenas seis milhões dos humanos – ajuda a identificar anomalias nas nossas secreções (suor, urina, produção sebácea, etc.).
As mudanças de humor experimentadas por uma pessoa doente – inapetência, desânimo, apatia, entre outros – provocam reações químicas, que se traduzem em cheiros anômalos que os peludos conseguem perceber. Os cachorros associaram esses aromas às situações que nos obrigam a ficar de cama.
Os cachorros também identificam alterações na fala humana. Quando estamos doentes, nós emitimos sinais emocionais que os peludos conseguem captar e decifrar. É importante considerar que uma pessoa com depressão ou letargia acusa mudanças mínimas na voz.
O ponto principal para a disposição à enfermagem canina, no entanto, é a necessidade de vigilância. Os lobos, ancestrais dos cães, vivem em grupos hierarquizados, em que diversos membros precisam estar atentos a possíveis falhas de segurança.
Quando estamos doentes, nossos cachorros conseguem identificar algumas dessas falhas e, para garantir a harmonia e integridade do grupo familiar, eles redobram a vigilância. Em outras palavras, eles redobram as atividades de defesa pelo período em que estivermos “fora de combate”.
Além das diversas funções para as quais foram adestrados, os cães são talhados para duas tarefas específicas: a caça e a guarda. Quando um membro da família está doente, essas funções primordiais se acentuam, para garantir o equilíbrio e o bem-estar da “matilha”.
05. Radar de confiança
Apesar de alguns serem bastante hospitaleiros, a maioria dos cães não gosta de pessoas estranhas. Os desconhecidos são sempre uma incógnita e, na lei da selva, é sempre melhor manter as defesas assestadas.
Um estudo de 2015 demonstrou que a desconfiança vai um pouco além: os cachorros testam as pessoas e decidem se alguém é confiável ou não. A pesquisa foi realizada pela Universidade de Kyoto (Japão) e partiu da premissa, já comprovada, de que os cachorros entendem quando um humano aponta uma direção qualquer para eles.
A equipe de Akiko Takaoka, especialista em comportamento animal, fez o seguinte experimento. Em um primeiro momento, um humano apontava a direção de um recipiente que continha comida.
Na segunda tentativa, o mesmo humano apontava em direção de um recipiente vazio. Na terceira tentativa, o humano voltava a apontar para um recipiente com alimento, mas os cães deixaram de confiar nas dicas. Ao todo, 34 animais foram envolvidos no estudo.
Isto indica, de acordo com Takaoka, que os cães se baseiam na experiência anterior para decidir se alguém é ou não confiável. Depois das três rodadas, o humano era substituído e imediatamente os cães voltavam a vasculhar o recipiente apontado pelo novo voluntário.
A facilidade com que os cães voltaram a demonstrar confiança no humano surpreendeu a equipe de pesquisadores. Os animais não se mostraram receosos em seguir as indicações de outros humanos, mesmo quando eram “traídos” em uma sequência de experimentos.
Provavelmente, a tendência de confiar nos humanos está associada ao longo período de domesticação: a maioria dos H. sapiens com que os cães se relacionaram tinha boas intenções. Mas basta uma demonstração que leve à desconfiança para que eles deixem de acompanhar os “traidores”.
Os cães avaliam as situações de acordo com a linguagem corporal usada no momento. Assim, a gesticulação devera levá-los a obter alimento. Quando não conseguem o que pretendiam, eles apenas deixam de confiar na pessoa. O estudo prova também que eles estão sempre atentos aos nossos movimentos.
O estudo demonstra também que os cães gostam de coisas previsíveis. Quando os eventos se torna irregulares, eles procuram soluções alternativas. Quando a quebra de confiança se torna frequente, os cachorros podem se revelar medrosos ou agressivos (de acordo com a personalidade).
Assim, pessoas não confiáveis – e também os tutores inconsistentes – são evitadas, porque apresentam condutas anômalas, não previsíveis, fora do padrão. Os cachorros são muito sensíveis ao comportamento humano. Felizmente, eles não têm preconceitos: vivem no presente e não ficam remoendo o passado de maneira abstrata.
Quando eles encontram uma situação inusitada e diferente, eles reagem de acordo com o repertório que usam diariamente – e que tem funcionado para eles. Por isso, um humano não confiável não depõe contra toda a humanidade, porque a maioria, para os peludos, é formada por “gente boa”.