Pais, cuidadores, defensores, líderes. É assim que os cachorros veem os tutores.
Muitos tutores chamam os seus pets de filhos. E é exatamente assim que eles se consideram: legítimos membros da família, de fato e de direito. Os cachorros nos veem como pais. Nós somos os provedores, não apenas de alimento e agasalho, mas também de afeto, companhia e educação.
Não é preciso teorizar muito sobre o assunto. Há muitos milênios, os cachorros foram retirados dos seus ambientes naturais. Inicialmente, eles serviram como ajudantes na caça, no ataque e defesa, na guarda de bens, propriedades e rebanhos.
Já faz muito tempo, no entanto, que eles, pelo menos em maioria, se tornaram “apenas” grandes companheiros. O universo dos cachorros se resume à casa e à interação com a família, com alguns momentos diários de exploração das ruas e praças próximas. Eventualmente, com viagens e alguns passeios para lugares mais distantes.
Isto significa que os nossos peludos estabeleceram uma relação de total dependência e confiança em relação aos humanos. Eles não caçam os alimentos, não procuram covas para se abrigar e se aquecer nem se preocupam (muito) com a defesa.
Evidentemente, os instintos naturais continuam presentes. Os cachorros seguem sendo nossos defensores, guardiães e ajudantes. Com a convivência, eles ocuparam um lugar especial, de grande significado para as nossas vidas.
Por nosso lado, nós também nos tornamos especiais para os peludos. Quem mais, além dos genitores, forneceria alimento, agasalho, diversão, brincadeiras, educação? No pensamento canino, nós somos os defensores e guardiães. Efetivamente, nós nos tornamos pais e mães.
A comprovação
Aquilo que todos os tutores sabem – nós e nossos peludos formamos famílias verdadeiras – foi constatado cientificamente em uma pesquisa recente. De acordo com estudo de 2021, realizado pela Emory University, de Atlanta (Geórgia, sul dos EUA), os cachorros se aproximam dos tutores e passam a encará-los como membros da família.
O principal fator responsável pelo estabelecimento dos vínculos familiares é o olfato. Dotados de excelente faro, os cachorros são capazes de identificar o cheiro de outros animais a distâncias consideráveis.
Em condições normais, sem chuva nem ventos contrários, os cães são capazes de detectar o nosso cheiro a 2 km de distância – o fato foi comprovado por experimentos realizados em “Inside Animals Minds”. uma série televisiva da Irlanda do Norte, em 2019.
A pesquisa da Emory University comprovou que os cães são capazes de identificar não apenas os odores naturais dos tutores, mas também de algumas fragrâncias usadas por eles. O “cheiro dos donos” foi reconstituído em laboratório e espalhado em ambientes controlados para a experiência.
Os cães do estudo – 46 animais, ao todo – foram isolados em compartimentos especiais, nos quais foram borrifados diferentes estímulos olfativos. As reações foram as mais diversas, de acordo com o temperamento de cada peludo.
Ao sentirem o cheiro dos tutores, no entanto, todos os cachorros apresentaram reações muito parecidas. Os olhos lacrimejaram (em cães, as lágrimas são associadas a memórias felizes) e os animais se mostraram empolgados e ansiosos.
O comportamento dos cachorros se repetiu mesmo quando os aromas dos tutores eram mesclados a outros. Mesmo em concentrações mínimas, os cheiros familiares provocaram as mesmas reações positivas.
Os técnicos da Emory também analisaram os níveis de ocitocina na corrente sanguínea dos cães participantes. Mais uma vez, foi na presença dos cheiros característicos que se registraram os maiores aumentos do teor do hormônio (que também se elevou quando os cachorros foram expostos a imagens e vozes dos tutores).
A ocitocina é um hormônio que participa das contrações uterinas durante o trabalho de parto e também estimula a produção de leite materno. A substância está relacionada a sensações de alegria e bem-estar. Formulações sintéticas da ocitocina são inclusive empregadas como auxiliares em tratamentos de alguns transtornos emocionais, como depressão e ansiedade.
Ficou comprovado que o olfato, mais do que outros sentidos, é usado para identificar a aproximação dos tutores. O estudo verificou igualmente que, com o cheiro dos tutores por perto, os cães ficavam mais alegres e até mesmo mais seguros.
Isto explica por que os cachorros são capazes de “adivinhar” quando os tutores estão voltando para casa. Mesmo antes de ver ou ouvir a voz dos pais, eles conseguem identificar a aproximação através do olfato.
Não se trata, portanto, de um sexto sentido quando um cachorro fica subitamente excitado quando o tutor ainda está estacionando o carro, caminhando pela calçada ou subindo com o elevador, sempre fora do alcance da visão.
Os peludos sentem o cheiro e imediatamente sabem que momentos de alegria, diversão e muita emoção estão se aproximando: os tutores estão voltando para casa, e isto significa brincadeira, atenção, cafunés e, por extensão, segurança e bem-estar.
Algumas pessoas mais utilitaristas afirmam que os cachorros apenas desfrutam as recompensas e prêmios trazidos pelos tutores, mas o estudo revelou que a mera aproximação, e mesmo a lembrança da presença, são suficientes para deixar os peludos alegres e empolgados, sem nenhum tipo de satisfação material envolvida.
Mais um estudo
A pesquisa da Emory University pode indicar que cães e humanos são amigos bastante próximos, mas não existe necessariamente uma relação de filiação estabelecida – pelo menos, da parte dos cachorros, já que os tutores são quase unânimes em considerar os pets como filhos.
A veterinária Lisa Horn, professora da Universidade de Viena (Áustria), conseguiu compilar outros dados que confirmam a visão canina da relação com os tutores. O estudo foi publicado em 2022.
Horn selecionou 22 cachorros para o estudo. Para estudar o comportamento canino, os animais empregados foram divididos em três grupos:
- um terço dos animais ficou sozinho, sem a presença dos tutores;
- outro terço permaneceu na companhia dos tutores, mas estes não interagiram com os cachorros;
- os demais cachorros ficaram acompanhados pelos tutores, que os estimularam a brincar.
Nos três grupos de controle, os cachorros puderam brincar com objetos disponíveis no ambiente e receberam alguns petiscos. Os animais que estavam junto com os tutores se divertiram e interagiram, mas os cães desacompanhados não demonstraram interesse pelas brincadeiras.
Em um segundo momento, a Dra. Horn substituiu os tutores por pessoas desconhecidas. Sem os tutores por perto, os cachorros não se animaram em participar das atividades com os objetos disponíveis.
Para a médica veterinária, este fato comprova a conexão existente entre cães e tutores. Ela concluiu que o estudo identificou uma “área de segurança” para os cachorros. Eles se sentem confortáveis, seguros e motivados na presença dos pais, mas, quando estão sozinhos, ficam desanimados e entendem estar desprotegidos.
As conclusões são evidentes. Os cachorros estavam no mesmo espaço, com os mesmos objetos de atração e petiscos. O único elemento alterado na pesquisa foi a presença dos tutores (ou de desconhecidos).
A figura do tutor dá confiança aos cães, de maneira semelhante à observada em crianças humanas, que se dispõem a brincar, explorar e tentar coisas novas apenas quando sentem que estão acolhidas e protegidas.
De acordo com Lisa Horn, “esta é a primeira evidência da similaridade entre o ‘efeito da base segura’ encontrado na relação pais/crianças e pais/cachorros”.
Para os tutores experientes, o estudo da Universidade de Viena parece não trazer novidades, mas a pesquisadora conseguiu trazer evidências científicas, que podem ser repetidas em outros experimentos.
Os amantes de cachorros sabem que eles se comportam como crianças pequenas quando estão em ambientes diferentes. Estão sempre procurando o apoio dos pais e voltam-se na direção dos tutores de quando em quando, esperando obter aprovação para o que estão fazendo.
Em outras palavras, os cachorros se sentem seguros na presença dos tutores, mesmo na ausência de uma interação direta. Sentir-se seguro significa acreditar que nada de mal poderá nos acontecer. O estudo valoriza o relacionamento entre os peludos e os humanos, mas também aumenta tremendamente a nossa responsabilidade em relação a eles.