Pesquisador japonês sugere que os cachorros também sabem chorar de saudade e emoção.
Os tutores de cães sabem há muito tempo que os nossos melhores amigos têm sentimentos e são capazes de expressá-los muito bem. Agora, um pesquisador japonês, em um pequeno estudo, vem reforçar isto: os cachorros ficam felizes quando os tutores voltam para casa. Tão felizes que chegam a chorar de emoção.
O estudo, publicado em agosto de 2022 na revista “Current Biology”, foi conduzido por Takefumi Kikusui, médico veterinário e professor da Universidade de Azabu, em Sagamihara, na região metropolitana de Tóquio, a capital do Japão.
O método
O estudo selecionou 22 cachorros que vivem em diferentes condições: apenas com o tutor, com uma família numerosa e em ambientes de grande circulação de pessoas conhecidas e desconhecidas. Cada animal foi submetido a quatro avaliações, feitas em intervalos diferentes.
A ausência média foi de cinco a sete horas. Nesses períodos, os cães foram separados de seus tutores, mas permaneceram em atividades corriqueiras, como brincadeiras e sonecas. A pesquisa não promoveu grandes alterações nas rotinas dos peludos.
Para verificar a produção das glândulas lacrimais (e eventual aumento nos casos de emoções fortes), Kikusui e sua equipe usaram o teste de Schirmer, um procedimento corriqueiro em clínicas oftalmológicas.
O procedimento consiste em aplicar duas tiras graduadas de papel-filtro logo abaixo das pálpebras inferiores. Geralmente, o teste de Schirmer é aplicado em suspeitas de “olho seco”, para verificar se a produção lacrimal é suficiente para lubrificar os globos oculares, mas também é usado como auxiliar no diagnóstico de algumas doenças reumatológicas.
O método foi escolhido por não demandar nenhuma atitude especial. Não é necessário dilatar as pupilas, nem solicitar que o avaliado mantenha os olhos fechados, fortemente cerrados ou abertos. Bastam alguns minutos para que as lágrimas saturem a tira de papel.
A pesquisa
A Universidade de Azabu é um tradicional centro de estudos e pesquisas sobre saúde e comportamento animal. Foi fundada em 1890 e está instalada em Sagamihara desde 1948 – o prédio original foi destruído durante os bombardeios de Tóquio, no final da Segunda Guerra Mundial.
O estudo foi realizado em conjunto com a Universidade Médica de Jichi e publicado recentemente na “Current Biology”, uma revista científica de periodicidade quinzenal, publicada pela Cell Press (EUA).
Assim como ocorre entre humanos, os cachorros são dotados de glândulas lacrimais, cuja função principal é a hidratação dos globos oculares. A produção de lágrimas, entre nós, denuncia a expressão de sensações e emoções.
Kikusui e a sua equipe trabalharam com 22 cachorros. Eles colocaram fitas nas pálpebras inferiores dos animais, para coletar a produção lacrimal. O estudo demonstrou que o aumento das lágrimas está associado a emoções positivas.
O ponto de partida para a pesquisa foi quase acidental: o médico veterinário, que vive com dois poodles, pôde presenciar um aumento das lágrimas em sua cadela, logo depois do nascimento da primeira ninhada do casal. A peluda estava chorando, mas, de acordo com o pesquisador, de uma forma diferente à que nós estamos acostumados.
Os cachorros, na verdade, costumam chorar de emoção. Em todos os 22 animais empregados no estudo, foi registrado um aumento no volume de lágrimas. Os peludos foram afastados dos seus tutores, mas mantidos em ambientes familiares.
A equipe de Kikusui monitorou os cães durante os estudos: foram efetuadas quatro separações entre os animais e os seus respectivos humanos. Em todas as ocasiões, os cachorros verteram lágrimas no reencontro.
Além de demonstrar o choro associado à emoção de rever os parceiros, a quantidade de lágrimas produzida aumenta de acordo com o período em que as duplas estiveram separadas: quanto maior o intervalo, maior a quantidade de choro.
Os pesquisadores também registraram os resultados quando outras pessoas conhecidas se aproximam dos cachorros mantidos afastados de seus tutores principais. Ao reverem um “rosto amigo”, os peludos também choram, mas de maneira muito menos intensa.
Em uma última rodada de experimentações, foram empregados apenas os animais acostumados a permanecer em creches e escolinhas para cachorros (oito, do total de 22 cachorros avaliados no estudo).
Foi mensurada a quantidade de lágrimas produzida com a aproximação de um cuidador já conhecido pelos cachorros e também se havia produção lacrimal na presença de pessoas estranhas e indiferentes à rotina.
Todos os oito cães choraram de emoção quando perceberam a presença do cuidador, o que indica que a produção lacrimal está associada à sensação de conforto, bem-estar e segurança, uma vez que os animais não verteram lágrimas na presença de outras pessoas.
De qualquer maneira, as “nuvens de lágrimas” se mostraram mais abundantes quando o reencontro acontece com os tutores, especialmente em locais familiares. Os cachorros demonstraram emoções fortes na presença de pessoas conhecidas e amigas, mas as lágrimas de emoção são mais abundantes na aproximação dos melhores amigos.
A reação humana
Outro resultado surpreendente também foi obtido pelo estudo, desta vez em relação a reações humanas. Kikusui e equipe pediram que diversos voluntários selecionassem os cães que consideravam mais amigáveis, apenas observando algumas fotografias.
As imagens usadas no estudo mostravam apenas rostos de cães, sem permitir inferir as condições em que foram registradas – nas fotos, os animais não parecem excitados, nem agressivos. Também não é possível concluir que eles estejam ansiosos ou deprimidos.
Todos os 18 voluntários selecionaram fotos de “cachorros chorando de emoção” como aqueles mais amigáveis, confiáveis e até divertidos. Vale lembrar que as lágrimas se confundem rapidamente com os pelos dos cães.
Isto indica uma possível vantagem adaptativa para os “cachorros chorões”: os olhos úmidos acabam se configurando como um chamariz, que atrai a atenção dos tutores, fazendo-os interagirem de forma mais próxima e intensa com os animais.
Os motivos
Kikusui argumenta que a produção de lágrimas pelos cachorros ajuda a estabelecer conexões mais fortes com os tutores. O pesquisador concluiu, em seu estudo, que “Os cães se tornaram parceiros dos humanos e nós podemos formar vínculos. Neste processo, é possível que os animais com olhos lacrimejantes nas interações sejam mais observados e cuidados pelos seus tutores”.
Ainda há algumas perguntas a serem respondidas. A principal delas é tentar descobrir se os cães também derramam lágrimas quando sensações e emoções negativas são afloradas, como ocorre entre os humanos.
Os pesquisadores pretendem agora refazer a trajetória que transformou as lágrimas – de meros lubrificantes para os olhos, para expressões de emoções e sensações, contribuindo para tornar a comunicação mais eficaz, inclusive entre espécies diferentes (como humanos e caninos).
Sabe-se que a produção lacrimal está associada à ocitocina, o chamado “hormônio do amor”. A substância, produzida pelo hipotálamo e armazenada na hipófise, foi descoberta em 1909 por um farmacologista inglês, que verificou a relação direta entre a ocitocina e o aumento das contrações uterinas em gatas, durante o trabalho de parto.
Atualmente, sabe-se que a ocitocina também estimula a produção das glândulas mamárias e revela picos de produção, por exemplo, quando uma mulher observa o filho no berço. O hormônio incentiva ações de proteção e cuidado.
Entre os cães, a ocitocina também está presente nas manifestações de afeto; diversos estudos já demonstraram que a produção do hormônio aumenta quando os peludos veem os tutores, ouvem a sua voz e até mesmo reconhecem o cheiro.
O mesmo acontece conosco. O aumento da ocitocina surge sempre que estamos próximos a pessoas queridas, especialmente daquelas a quem devemos proteger – ou entendemos que devem ser protegidas.
O estudo de Kikusui demonstrou que os cachorros choram de emoção na presença dos tutores – e que usam os olhos lacrimejantes também para chamarem a atenção de pessoas queridas. Como sempre acontece em ciência, uma resposta abre dezenas de outras questões, que devem ser respondidas por pesquisadores do mundo inteiro.