O provérbio “cachorro que late não morde” é muito antigo, o que demonstra que ele tem um fundo de verdade. Geralmente, ele é usado por pessoas que fazem muitas ameaças, mas não tomam nenhuma atitude prática: fazem barulho, mas não chegam às vias de fato.
O senador e historiador romano Quintus Curtius Rufus, que viveu no século 1º da Era Comum, usou a expressão em sua obra sobre a vida e as conquistas de Alexandre Magno (356-328 AEC). A biografia chegou incompleta até nós (apenas oito dos dez volumes foram preservados), mas o autor se refere a Dario 3º, rei da Pérsia, como “um cão que late, mas não morde”.
Apesar das ameaças, o rei macedônio conquistou a Mesopotâmia, território anexado pelos persas séculos antes, em 536 AEC. Pode-se dizer que Dario era um cão que late, mas não morde – ou, pelo menos, que ele encontrou um cachorro ainda maior e muito mais determinado.
O significado
A expressão, portanto, com o mesmo significado atual, já era bastante popular entre os romanos – o senador Rufus foi provavelmente contemporâneo dos imperadores Cláudio e Nero. Dizer, referindo-se a uma pessoa qualquer, que “cachorro que late não morde” equivale a afirmar que esse alguém não cumpre as ameaças que profere.
É o mesmo que afirmar: “Fulano é um bravateiro”, que não tem força nem atitude para chegar às vias de faro. É alguém que faz muito barulho, mas não chega a representar uma ameaça real e preocupante. É uma aposta, na verdade, já que ninguém tem bola de cristal para prever o futuro.
Quando se toma o ditado literalmente, aplicando-o aos cachorros, a história pode ser bem diferente. É preciso atenção e cuidado.
Ameaças caninas
Tomar o ditado ao pé da letra pode ser bastante arriscado. Qualquer pessoa adulta já observou algum cachorro latindo sem tréguas atrás de uma porta ou portão, mas, quando o obstáculo finalmente é removido, o peludo simplesmente senta-se e observa, quando não sai correndo para se esconder.
O mesmo se pode dizer de cachorros que passam boa parte do dia latindo para a movimentação dos vizinhos, mas, basta sair para a rua ou o corredor, mostram-se mansos e dóceis. Isto ocorre principalmente com animais que se especializaram em servir de alerta para o bando (ou a família humana), mas não necessariamente para tomar a dianteira em casos de ataque e defesa
Esta característica é comum entre cães de pequeno porte, mas alguns grandões também não são experts em neutralizar ameaças. É o caso, por exemplo, do boxer. Entre os nanicos, chihuahuas, pinschers miniatura e especialmente lulus da Pomerânia são especialistas em dar o alarme ao primeiro sinal de sons e cheiros estranhos.
Os cães selvagens que, certo dia, há alguns milênios, resolveram compartilhar a caça com alguns humanos, para aumentar a eficiência e garantir o pão nosso de cada dia, descendem dos lobos-cinzentos, animais maiores do que todas as raças atuais.
A seleção dos menores nas ninhadas foi motivada para obter animais que combatessem presas e pragas miúdas. Por exemplo, um yorkshire terrier conseguia se esgueirar entre os menores vãos das minas de carvão na região inglesa de York, para dar combate aos ratos que infestavam as galerias.
Da mesma forma, um dachshund, alongado e de pernas curtas, era uma verdadeira máquina mortífera contra marmotas e outros animais que destruíam jardins e hortas. Até hoje, o dachshund é excelente em cavar buracos – e, por isso, devem ser mantidos a distância dos canteiros.
Lhasa apsos, shih tzus e pequineses foram selecionados entre os filhotes mais atentos a movimentos inusitados e aos mínimos sinais de aproximação de pessoas estranhas. Há muito tempo, eles deixaram de guardar palácios e templos, mas o espírito guardião continua presente – e muito aflorado.
Pode-se dizer que a maioria desses cachorros latem, mas não mordem – a menos que sejam muito incomodados. As reações exibidas por cães de caça, rastreadores, apontadores e levantadores de caça são bem diferentes.
Alguns realmente não latem: partem diretamente para o ataque. É o caso do weimaraner, do afghan hound e dos pointers e setters, que se mantêm em silêncio até que a presa esteja a poucos metros. Mas outros excelentes predadores, como os beagles e os cocker spaniels, são muito barulhentos: eles precisavam alertar matilhas e caçadores sobre os rastros deixados pelas presas.
Os retrievers (recuperadores, em inglês), também são exemplos de cães que latem e mordem. Terras novas, golden retrievers e retrievers do Labrador, entre outros, precisavam alertar os tutores e informar posições. Como eles se tornaram cães multitarefa, os latidos se multiplicaram, apesar de não serem agressivos em relação a humanos desconhecidos.
O poodle é um exemplo clássico: apesar da beleza e da sofisticação dos cães da raça, eles foram selecionados originalmente para recuperar aves abatidas a tiros, que caíam nas lagoas frias da França. Um poodle é capaz de latir nadando – e sempre recupera a caça (ou a bolinha).
Mas, como se trata de um animal extremamente inteligente, o poodle aprendeu diversas outras atividades, que desenvolve com muito barulho, agitação e, se necessário, algumas mordidas, independentemente do porte: standard, médio, anão e toy.
Por que os cães latem e mordem?
Os cachorros se comunicam basicamente através da linguagem corporal, mas também apresentam um extenso “vocabulário”: latidos, ganidos, uivos e choramingos são utilizados para conversar, brincar, alertar, etc. O convívio com humanos ampliou ainda mais o leque de opções dos peludos.
Perguntar por que os cachorros latem e mordem é como querer saber por que os gatos miam, os cavalos relincham e bodes e carneiros berram. Eles o fazem porque é uma forma natural para alertar, interagir, pedir atenção e carinho, etc.
Os cachorros bem ajustados costumam reagir agressivamente apenas na presença de pessoas estranhas e ameaçadoras, na avaliação dos peludos. Eles reagem quando algo fora da rotina está acontecendo: cães prezam muito a tranquilidade do ambiente familiar.
As ameaças não são necessariamente dirigidas aos próprios cães: eles também agem para defender os membros da família – não apenas os tutores, mas outros pets da casa, mesmo que não sejam “muito próximos”. Os cachorros exibem forte comportamento gregário e a integridade do bando é primordial para eles.
Quando um cachorro late, ele está tentando afastar uma pessoa ou alertar sobre uma situação irregular. Na maioria das ocasiões, ele realmente não morde, desde que a ameaça não se aproxime: em caso contrário, ele agirá para garantir a segurança e o bem-estar.
Conclusões
Os cachorros podem reagir e morder pelos mais diferentes motivos. Alguns pets são mantidos isolados, sem interagir com humanos, “para aprender a guardar a casa”. Este é um erro comum, que resulta em animais agressivos e violentos.
Os peludos também podem apresentar comportamento agressivo quando estão sentindo alguma dor ou incômodo. Os cachorros, como regra geral, são bastante resistentes à dor, mas há situações em que o desconforto, que pode ser físico ou emocional, é tão grande que a reação é praticamente imediata.
O ditado, na verdade, diz respeito a nós, humanos, como tantos outros que emprestam comportamentos animais para aplicá-los aos nossos relacionamentos: ele não deve ser aplicado aos peludos. Com relação aos cães, por mais tranquilo e inofensivo que seja o animal, a regra que mais se aproxima da realidade é: “cachorro que late não morde… enquanto estiver latindo”.