Uma postagem comovente e triste está viralizando nas redes sociais. Trata-se da história de Butter, um mestiço de retriever do labrador, que está esperando há 500 dias pela adoção em um abrigo americano. Butter pode ser mais uma vítima da “síndrome do cachorro preto”.
Em novembro de 2021, Butter, o mestiço que atualmente tem cerca de três anos, foi resgatado e encaminhado para a Benton-Franklin Humane Society, um abrigo para animais abandonados em Kennewick (Estado de Washington, noroeste dos EUA).
A postagem
Uma voluntária do abrigo, Julie Saraceno, postou imagens do cachorro em seu perfil no Tik Tok no início de julho de 2023, mais de 500 dias depois do resgate. As imagens de Butter já foram visualizadas por mais de 150 mil internautas.
Muitos usuários das redes sociais estão acompanhando a “saga de Butter”. Ele é um cachorro gentil, brincalhão e muito dócil, mas parece estar sendo rejeitado em função da síndrome do cachorro preto: o medo irracional e o preconceito colocam no final da fila de adoção os cães de pelagem preta, especialmente os de grande porte.
As visualizações e comentários sobre Butter atraíram inclusive a atenção da imprensa americana. Julie continua postando imagens do cachorro, descrevendo algumas características do mestiço:
“Butter sempre foi um cachorro nervoso, e a permanência no abrigo não está ajudando muito.”
“Não tenho ideia sobre os motivos que impedem os candidatos de se interessarem pelo retriever do labrador mestiço.”
Em junho de 2023, Julie descreveu o caso de outro “cachorro preto grande”: Baito permaneceu no abrigo por 483 dias, até encontrar alguém disposto a levá-lo para casa. Em julho, a voluntária voltou a tentar atrair os candidatos: em uma nova postagem, ela incentivou: “Não entendo por que ninguém adotou ainda este rosto precioso. Vamos lá, pessoal, vamos dar um lar para este bebê”.
Apesar da confusão, Julie está certa em descrever Butter ao mesmo tempo como dócil e nervoso. Cães recolhidos em abrigos se tornam medrosos e ansiosos. A falta de atividades os deixa entediados e, em pouco tempo, destrutivos e/ou agressivos.
Não se pode julgar o temperamento de um cachorro em função da permanência nos canis públicos ou privados. Depois dos maus tratos nas ruas, eles naturalmente ficam “com o pé atrás”. Mesmo assim, é emocionante observar o peludo retomar o equilíbrio e a autoestima, o que quase sempre ocorre nos primeiros dias da adoção.
A adoção
A Benton-Franklin é um abrigo sem matança, filiada à Humane Society americana, uma rede de canis fundada em 1954, com sede em Washington D.C. (a capital dos EUA). Ela está presente na maioria dos 50 Estados e, desde 1991, ampliou as operações para todos os continentes.
Os objetivos são sempre os mesmos: resgatar animais abandonados, esterilizá-los, tratar eventuais doenças, aplicar as vacinas básicas e encontrar lares adotivos para os cachorros e gatos.
A legislação americana encara a questão dos cães abandonados como uma questão de saúde pública, não necessariamente atentando às necessidades dos peludos. De acordo com a lei, os animais resgatados das ruas e não reclamados pelos tutores, nem com perspectivas de adoção, podem ser abatidos em 72 horas depois do resgate.
De acordo com a Benton-Franklin, os cães adultos costumam permanecer por mais tempo nos abrigos. A maioria dos candidatos à adoção prefere receber filhotes em casa. Na sequência, a preferência recai sobre as fêmeas, os cachorros de raça, os mestiços saudáveis e os de pelagem de qualquer cor, exceto o preto.
Os voluntários do abrigo de Kennewick tentam manter os cães ocupados: há brincadeiras, correrias e banhos de sol. Mas o número é insuficiente para dar atenção a todos os peludos, satisfazendo todas as necessidades e desejos. O ideal é realmente encontrar um lar definitivo, mas isto pode levar muito tempo.
Em Nova York, por exemplo, o tempo médio de espera para adoção, entre os filhotes, é de 23 dias. Entre os adultos, o prazo é quase o dobro: 42 dias. Mesmo assim, isso não é nada parecido com os mais de 500 dias de ansiedade que Butter está vivenciando.
Butter, apesar de ser um assunto que está mobilizando as atenções dos internautas no Tik Tok, permanece abrigado na Benton-Franklin. Ele continua esperando um novo lar, mas o medo de cachorro preto e grande parece ser maior do que o desejo de adoção.
A síndrome do cachorro preto
Pode parecer estranho, mas os “pretinhos básicos” estão longe de ser objetos de desejo dos criadores americanos. A rejeição recebeu o nome de síndrome do cachorro preto, também conhecida como síndrome do cachorro preto grande.
Os animais de porte pequeno e médio têm maiores chances de serem adotados. Os grandões, especialmente os machos adultos, especialmente os sem raça definida (SRD, mestiços e vira-latas), sofrem grande rejeição. Se a pelagem for preta (ou predominantemente preta), as perspectivas de um final feliz são ainda menores.
Os abrigos americanos criaram inclusive uma denominação específica para este exército de rejeitados: eles são conhecidos como BBD – big black dogs.
Qual é o motivo da rejeição?
Especialistas indicam algumas hipóteses para a síndrome do cachorro preto, que pode ser devida a uma série de fatores. Algumas pesquisas identificaram o estigma do medo, especialmente contra algumas raças caninas.
O transtorno também é alimentado pela forma como os cachorros pretos e grandes são retratados no cinema e nos seriados de TV: quase sempre, eles são agressivos e violentos. Em alguns casos, estes peludos chegam a ser associados a crenças e ritos satânicos.
Estudos mais amplos, no entanto, sugerem que os cães tigrados sofrem rejeição ainda maior do que os de pelagem preta. As listras evocariam aspectos selvagens, obscuros e belicosos, mantendo-os à distância da adoção.
O fenômeno pode estar ainda associado ao preconceito racial: assim como ocorre no Brasil, a maioria dos americanos de pele escura são afrodescendentes, descendentes de povos escravizados e sempre associados à pobreza, que, em uma associação apressada, é identificada com a violência e o crime.
Há ainda outros fatores que contribuem para a síndrome:
- a identificação com os gatos pretos, que, no imaginário popular, estão associados às bruxas e à má sorte;
- a fotogenia: cães pretos não fotografam tão bem como os animais de pelagem clara e os bicolores e tricolores. Assim, eles seriam descartados antes mesmo da visita aos abrigos, na seleção em sites e programas de TV.
É possível, no entanto, que a síndrome não seja real, mesmo com exemplos tão contundentes como Butter, o mestiço de retriever do labrador. Um estudo de 2021 do Los Angeles Animal Services, serviço público de resgate sediado na Califórnia, indica que 28% dos cães adotados naquele Estado tinham pelagem preta ou escura.
Mesmo assim, a aparência dos cães continua sendo a principal característica na definição da escolha. Um estudo da ASPCA (American Society for The Prevention of Cruelty to Animals), de 2011, mostra que 29% rejeitam os cães grandes e pretos, enquanto 26% não escolheriam animais adultos para adotar.